28 maio, 2008

significados

(fotografia antónio paiva)
É muito doloroso, quando um homem dá à sua vida o significado de um prédio à espera de ser demolido.

24 maio, 2008

Paragem

Estacionei o pensamento junto à velha árvore, estendi a toalha da existência sobre a relva, olhei a garrafa de vinho tinto deitada no cesto das dádivas, ela pareceu-me quase feliz. Atirei os olhos até onde me era possível, tinha aquela sensação de quem olha a caixa do correio vazia, quando espera correspondência importante que nunca mais chega. Pior do que isso, é que neste momento tenho a sensação que não devia escrever. Sei que ninguém se importa com isso, mas eu importo-me. Só que esta maldita bulimia das palavras não pára de me atormentar. Sou pior do que um viciado no jogo, as palavras passam à minha frente como cavalos desenfreados numa corrida sem fim, e eu não paro de jogar com elas, faço apostas atrás de apostas, raios, mas sinto que devia parar. Estou exactamente como o dentista, quando apanha um tipo esparramado na cadeira, não pára de apontar arranjos atrás de arranjos, como se o resto das nossas vidas fosse viver no consultório dele. Nestes momentos tenho a sensação que uma parte de mim estagna e a outra foge. Talvez seja a culpa a apertar-me cá dentro. Só que me dói e eu não gosto, estampa-se-me a crueldade no rosto.
Por este andar, qualquer dia não passo de um velho a regar malmequeres na varanda sem nunca ter escrito um romance. Às vezes convenço-me que a culpa é uma doença como outra qualquer. Nem sempre consigo reparar os meus erros, mas isso acho que ninguém consegue, penso; no intuito de me aliviar. Sei lá; obstrução versus confissão. Preciso de alimentar o corpo, porque se não o fizer a alma também é bem capaz de morrer, por isso não tarda vou comer qualquer coisa. Não sem antes pensar; qual a razão para toda a gente se achar especial, ou privilegiada, ou ainda isenta. O que sei é que todas as minhas análises não me isentam das minhas culpas. Há dias em que me sento surpreso nos meus pensamentos, já para não falar do modo como os problemas dos outros me privam do sentido de humor. Ainda assim escrevo poemas, será que o devo fazer? Não sei nem me apetece pensar nisso. Imagino como me sentiria, se um dia me pedissem para escrever um prefácio, para um livro de poemas de um poeta morto. Não sei se o faria, acho que não seria capaz, no entanto sei que há quem o faça com a maior das naturalidades. Há quem tenha o mórbido prazer de brilhar com a morte dos outros.
Frequentemente comparo a vida a um aeroporto, ninguém lá mora mas de algum modo todos por lá passamos. É certo que estamos em trânsito e nos movemos em diversas direcções, paramos tão pouco tempo, tão poucas vezes. Quando paramos parece que aguardamos sempre a bagagem que não transportamos connosco. Às vezes somos ou estamos tão vazios. Com o avançar da idade, ler a vida, é cada vez mais ler um livro ao contrário. Como que a olhar as cicatrizes dirigimo-nos sempre à última página, pelo menos ficamos a saber como acaba, caso não cheguemos a ter tempo para o ler por inteiro. Num universo de guerras intermináveis, são tantas as vezes que chegamos à conclusão; de que ainda nos amamos mas já não nos suportamos. Somos tão estranhos às vezes e outras tantas vamos além da bizarria. Talvez por isso, amiúde, a mãe natureza se zangue connosco e desabe tempestades sobre nós. O pior de tudo é que nunca mais aprendemos, e reagimos como se atendêssemos uma chamada telefónica originada por engano ou fruto de linhas cruzadas. Mas as máscaras vão caindo aos poucos, deixando a nu a espécie voraz, carregada de defeitos, de imbecilidade, de demências, de vinganças, de sadismo, de assassinatos múltiplos. A sociedade moderna criou espécimes que se devoram uns aos outros. Em duelos até à morte. Aproveito a paragem, abro a garrafa de vinho tinto e bebo.

- Eu sei o que sinto, e tu, sabes?

22 maio, 2008

Sessão de Autógrafos na Feira do Livro do Funchal

Sábado, 24 de Maio
A partir das 17 horas até às 20 horas, estarei na Feira do Livro do Funchal, para uma sessão de autógrafos, e dois ou três dedos de conversa com os amigos, no stand da Livraria Julber.

20 maio, 2008

Vigílias

A olhar o mundo do mesmo modo que o velho olha o relógio; falta-lhe tempo e sobra-lhe morte. Nem sempre a noite é semeada de estrelas, tão-pouco o luar surge para entornar a maciez da sua luz sobre todas as coisas. Às vezes a vida põe-nos a mão no ombro e dá-nos um sorriso amargo. Uns comem conversas aqui e ali, outros comem fome e choro um pouco por toda a parte. Os braços somem o tempo a sacudir canseiras, ainda assim não falta quem se dedique a fainas e fainas de ensejo, é bom que assim seja, afinal de contas a existência é uma jorna onde só com muito afinco se colhe a vida. Verdade que é uma praga de canseiras, mas não é menos verdade que a noite poisa sempre nas árvores, nunca lhes escutei um só queixume, suportam-na sempre até o dia nascer. É verdade que podemos talhar o ócio a tempo inteiro, mas depois falta-nos tempo para o vestir, o passo seguinte é inevitavelmente a frustração.
De vez em quando escuto uma ou outra conversa, uns dizem que o dinheiro permite toda a liberdade do mundo, outros dizem que o dinheiro impede o mundo de ser livre. Eu se pudesse fazia-lhes a todos um depósito milionário de utopia. Tomemos como exemplo o Inverno, tanta riqueza numa estação que passamos o tempo a olhar como pobre e despida. Será assim tanta utopia? Ter na vida a Primavera a verdejar, o Verão da cigarra a cantar, o Outono da formiga a guardar, para no Inverno aquecer o frio sem dor. Não! Não me parece utopia, podemos guardar em nós a coisas boas e belas da vida o ano inteiro e, por que não, o cheiro das rosas em Janeiro.
Teceremos sempre razões para que seja desta e daquela ou de outra forma, é da nossa condição parar perplexos nas encruzilhadas mesmo que saibamos o caminho. O melhor mesmo é não ficarmos parados, o caminho levar-nos-á sempre a algum lugar. Não importa o tempo ou a distância até lá. Quando há bom tempo respiramos as sinfonias do azul e experimentamos a rouquidão dos vermelhos. Há quem diga que isso é uma consciente e estranha lucidez de nós, que só nos apetece fechar os olhos e ficar a sorrir para a eternidade, debruçando a alma à janela retendo nela toda a paisagem, aí sentimo-nos felizes por descobrirmos que ainda sabemos sorrir. O melhor mesmo é revisitar todas as sensações, antes que tudo se perca por entre os dedos, acima de tudo acreditar e nada temer. Ainda há quem não saiba que os amantes se encontram secretamente junto à rosa-dos-ventos, escapando assim à tirania de olhares indiscretos. Se eu mandasse, as naus seriam corpos de mulher, que levariam os homens a todas as latitudes e longitudes do Universo. Quão suaves e ternos seriam os movimentos das marés, enquanto beijavam o sorriso dos litorais à sua passagem, pontificando as emoções. Certamente que os sentidos seriam muito mais do que cinco.
Seria suficiente um olhar para que os corações rissem de alegria, manifestando-se desse modo enquanto a felicidade se passeava nos braços, nos nossos braços, o abraço. Não é possível ignorar a beleza das gaivotas entusiasmadas a planar em voos rasantes, poisando sobre as águas calmas soltando os seus gritos de alegria. Ao largo as naus a deslizar como crianças divertidas, a iluminar-nos os olhares, imagem de opulenta doçura em permanente vai e vem sobre as águas.


- Se assim fosse, seríamos sábios?

16 maio, 2008

breve VII





a janela desenha o amanhecer,
há o véu húmido dos teus olhos.
a tua boca é um ninho de ternura,
feito de ervas tenras e frágeis,
germinando na linha dos teus lábios.


antónio paiva

14 maio, 2008

breve VI





gostava que fosses o céu e eu a montanha;
o beijo era o tempo por inteiro e,
encontrávamo-nos todos os dias ao pôr-do-sol;
porque ao nascer do dia nos tocávamos sempre



antónio paiva

11 maio, 2008

À conversa com Alves Redol

Bebo olhares pelas palavras, às vezes são apenas pingos de água na pedra que enfeita a nascente, tecendo factos à imagem das minhas ilusões. É também nas palavras que a vida dos homens se faz e desfaz. São muitas as noites em que me levanto e vagueio pelos quintais vigiando a criação. São quintais semeados de páginas e páginas, livros e livros. Uma dessas noites quis o acaso que me encontrasse com Alves Redol, lá para os lados da medida grande das palavras, nada mais, nada menos, do que quatro alqueires bem medidos perfazem a Fanga. No princípio olhou-me desconfiado, na sua pose austera, olhos vivos e de mitra na cabeça, lá estava ele observando a lezíria, fui-me chegando de mansinho, disse-lhe que na minha juventude o tinha conhecido acompanhado dos Gaibéus. Foi aí que ele me esboçou um leve sorriso de aceitação. Aos poucos a comunicação entre nós foi-se estabelecendo, disse-me a dada altura que; “não conhecia homens assépticos, desodorizados e incolores, que a existirem vivos seria horrível suportá-los na convivência…”. Eu disse-lhe; que lamentava ter de o contrariar, mas que conhecia uns quantos espécimes dessa natureza. Meneou a cabeça, ficou calado e pensativo. Há no entanto algo que ele me disse, com o qual concordo em absoluto; “Um escritor nasce todos os dias, insubmisso e firme, tanto para detectar injustiças, qualquer que seja a sociedade onde viva, como para repudiar o próprio ripanço que se apodera de alguns, quando aprendem, às vezes com verdadeira mestria, a fazerem quatro ou cinco pontos de croché.”
É, em minha opinião, muito gratificante estar perante um Mestre, não daqueles que o mercantilismo da palavra ou o amiguismo bacoco nos querem impor, mas daqueles que abnegadamente se fundiram ou fundem com a palavra, apenas com o intuito de a servirem, resistindo à patologia da vaidade imoral, de através dela se promoverem perdendo-lhe todo o devido respeito. Tive de lhe confessar que já era a terceira vez que lia a Fanga, quis no entanto deixar claro, que independentemente do valor social e político da sua obra, o que me fazia voltar de novo, era sem dúvida a sua delicadeza no trato da palavra. Sim, é para mim uma verdade incontornável, nos seus relatos da dureza da vida de homens, mulheres e crianças, as palavras são tratadas da mesma forma que nos momentos de alegria, são palavras tecidas de algodão e magia. Algo que só quem ama verdadeiramente a palavra é capaz de fazer. A sua linguagem é tão límpida, que dá a ilusão de a escrita ser coisa fácil. Puro engano. É tão difícil ser simples e belo, mas ao mesmo tempo tão delicioso.
Em determinado momento, talvez já cansado de ouvir o meu tagarelar, olhou-me nos olhos e disse-me; “Olhar o passado nem sempre será sinal de decrepitude, quero admiti-lo neste momento. Vou fazê-lo com o torpor do Inverno a carregar sobre mim todo o peso dos dias pardos em que nos deixamos afundar uns e outros. Nesta altura enferrujam-se-me as mãos, dói-me pensar, dói-me ter olhos, magoa-se-me a consciência por não saber ganhar braços, quando há tanto para construir…”. Perante palavras tão contundentes quedei-me pensativo. Passado algum tempo respondi-lhe apenas; tem toda a razão Mestre.
A verdade é que embora ele as tivesse proferido em determinado contexto, eu não consegui resistir à tentação de as transpor para outro plano. Ou melhor dizendo; de as espalhar como sementes da melhor qualidade no campo da escrita. Para que germinem e cresçam vigorosas construindo as defesas necessárias para que a palavra sirva o homem, sempre que este a estime, mas ao mesmo tempo que a palavra seja impiedosa e firme, quando este dela se aproveita despudoradamente em vez de a servir abnegadamente.
A madrugada ia longa quando o Mestre me disse que se ia retirar, mas não sem antes me deixar umas quantas considerações; “Conheço-me tão bem quanto possível. Nunca gostei de mim em demasia.” “O meu caminho tem sido duro; alegremente duro. Às vezes fico escalavrado, a sangrar, sem poder dar passada.” Mais adiante, a terminar, disse-me ainda; “ Em certos momentos ando pouco; algumas vezes pareço recuar. Não exagero, com certeza, se disser que caminhei em frente. Tanto mais que nunca pedi, nem aceitei, nem quero, a comparsaria dos que unguentam a triste a triste bazófia dos génios caseiros, pondo-os a bambolear como copletistas decrépitas ou como velhos ursos amestrados da minha infância. Nunca vi espectáculo mais degradante. Sou demasiado modesto, e também orgulhoso até ao desprezo, para que alguém me leve ao espelho dos bacocos. Todas as costelas que me arqueiam o esqueleto vêm de camponês e os meus antepassados sempre desconfiaram da fartura. É por isso que a minha charrua continua a lavrar num campo de pedras.” Dito isto acenou-me e foi-se embora. Eu, apenas consegui balbuciar um sumido; obrigado Mestre e até uma próxima.
Fiquei por aqui a meditar no silêncio da noite, porque a beleza das palavras me fazem esquecer o sono, e por ter consciência absoluta que para mim o campo da palavra, onde persisto dedicadamente em aprender a lavrar tem ainda muita pedra para separar da terra fértil que é a escrita. Toda essa pedra advém obviamente da minha falta de arte e engenho. Admito-o sem modéstia. Toda a salvação provém da tomada de consciência de que um naufrágio pode acontecer. Não me entretenho a tecer o futuro, pese embora o tenha sempre diante dos olhos. Não há em mim qualquer raiva contra o meu anonimato, é preferível ser anónimo do que contribuir para o caos. Importa-me tão-somente consolidar o meu sangue com o sangue da palavra. Todo o resto não passa de calores breves nas bocas de gente vulgar. Note-se que alguns até são condecorados, uns de forma socialmente mais alargada, outros no narcisismo de grupinhos, clãs e tribos.
Não me incomoda absolutamente nada, que apelidem de líricos os meus protestos, estarei sempre na primeira fila, denunciando o alimento feito de coisa nenhuma, com que escritores e poetas vorazes enchem os seus odres. Mais tarde ou mais cedo acabarão por morrer de enfarte, e a palavra e a escrita sobreviverão, naturalmente, por serem grandes e nobres.

A terminar direi; muito do que acontece e persiste, é porque comodamente viramos a cara e cerramos os olhos.


Os trechos do texto em itálico e colocados entre aspas, são excertos do texto “ À Maneira de Prefácio” da autoria de Alves Redol, publicado na décima primeira edição do seu livro “Fanga” editado pela Editorial Caminho com data de Janeiro de 1996.

08 maio, 2008

celebridades?!










A escritora?! Carolina Salgado ex-namorada do também escritor!? Pinto da Costa engravidou tranquilamente no Alentejo.

05 maio, 2008

poesia juvenil (conclusão)

Deixo aqui o último dos poemas que trouxe comigo da Escola Mestre Domingos Saraiva, de Algueirão – Sintra.

O mar é
Uma cama transparente

Uma cama é
Um lugar para sonhar

Um lugar é
Uma história para contar

Uma história é
Um céu brilhante

O céu é
Uma fonte invencível

Uma fonte é
Um rio que enche

Um rio é
O mar que brilha

O mar é
Uma cama transparente

Ana Catarina Freitas

04 maio, 2008

ainda poesia juvenil

Este é o penúltimo poema que veio comigo da Escola Mestre Domingos Saraiva, Algueirão – Sintra.


Na vida posso brincar,
Na vida posso sorrir,
Mas penso que
Pela vida que levei a chorar,
Agora só quero sorrir.

Com o futebol nós jogamos,
Com a comida nós comemos,
Com as flores nós cheiramos,
E com o amor nós amamos.

O amor não é aquilo que
Queremos sentir…
Mas sim o que sentimos sem
Querer…

Tu serás o encanto dos meus sonhos
E a beleza dos meus dias
A maré das minhas noites
E o amor da minha vida.

Filip. L.

03 maio, 2008

continuando com poesia juvenil

Dando continuidade à publicação dos poemas escritos por alunos, que trouxe da Escola Mestre Domingos Saraiva, Algueirão – Sintra, aqui deixo mais um:

O céu

O céu é um vazio preenchido,
Uma sala azul cheia de algo…
Um tapete invisível,
Um olhar indirecto,
Um saber eterno…
Mas acima de tudo
O céu é um vazio preenchido.

Márcia Marques

02 maio, 2008

mais poesia juvenil

Conforme prometido, aqui deixo mais um poema que trouxe da Escola Mestre Domingos Saraiva, de Algueirão - Sintra:

Pais...
Uma palavra bonita,
que disso pode não passar
para tais não existe
é só uma palavra vulgar
Pais...
Alguns não os têm,
nem sequer os puderam ter
tais indivíduos
que os fizeram sofrer
Pais...
Outros os têm,
os que lhes dão coisas sem fim
mas nunca poderão ser
felizes igual a mim
Pais...
Aqueles podem ter,
pais que os amem e possam acarinhar
e não os comprem
porque afecto não se pode comprar.
Iolanda Capelas