21 novembro, 2012

Dá Alpina ao menino, Abílio!


Dá Alpina ao menino, Abílio! Dá Alpina ao menino, Abílio! Gritava a mãe debaixo do telheiro no pátio a fazer palitos de flor.

Não dou! Não dou! Esta comprei eu no Toino da Venda com o meu dinheiro! Respondia o Abílio aos berros na cozinha de paredes encardidas pelo fumo, na trempe a panela negra como a fome cozia couves quase todos os dias.

O menino chorava alto até se esquecer.

Era um desassossego diário à dejua e à merenda, sempre que o Abílio conseguia desencantar uns tostões por via de qualquer ajuda que prestava a um ou outro vizinho, e lá ia ele ao Toino da Venda. Sim, era à dejua e à merenda, que pequeno-almoço e lanche só se usavam na vila.

Lambuzava-se o Abílio com Alpina espalhada na broa de côdea queimada a propósito na cozedura para amargar e travar a gula.

Os gritos da mãe, os berros do Abílio e o choro alto do menino, ecoavam aflitos pelos quelhos e telhados do casario da aldeia, quintais e poios até se perderem em eco pelos pinhais.

Um retrato de há décadas, que está a renascer, como se fosse o destino de toda a gente – ou quase toda – para melhor dizer.

20 novembro, 2012

ou a vida

porcos sem asas cuja ambição é sujar o mundo. mas atenção; boas intenções não bastam para erguer uma obra de arte, ou a arte em livro. ou a vida meus senhores, ou a vida minhas senhoras. esta noite ouvi o pio da coruja, tinha uma alma dentro. depois ouvi o cão do vizinho a ladrar, tinha pelo menos duas almas dentro. depois chegou o Luis Pacheco e a seguir o Alexandre O'Neill, a partir daí não houve mais sossego. voámos por cima dos telhados, eram três da manhã, enquanto os outros aproveitavam o sono, uma mulher atirou-se do último andar com a vida suspensa pelos cabelos, e nós transpirámos nas nuvens a tocar flauta até o vento ficar dorido.

01 novembro, 2012

um país finado(s)


Um (des)orçamento aprovado na generalidade na véspera do dia de finados - um feriado finado – pela maioria finada de que tem ao colo um (des)governo finado. Com sua santidade D. Aníbal – calado – obviamente também (con)finado à sua religião adorada – o silêncio tabu – ou a cobardia mal-educada de mastigar bolo-rei.

O cê e o guê, apostados em castigar este povo piegas e mandrião, que só pensa em educação e saúde de graça, que tem a ousadia de exigir as reformas para que descontou a vida inteira. É notório e visível a olho despido, quer no cê quer no guê, aquele semblante carregado de asco ira desprezo e ódio – ah povo malandro avezado a costumes crenças direitos e feriados! - está lá tudo, naquela cólera de lixo.

Somos (des)governados por um bando de púrrias. Que se riem despudoradamente tal e qual coveiros estúpidos enquanto nos enterram vivos no parlamento, nos gabinetes e nos banquetes.

E tu povo? Estás encostado à parede que nem musgo. Vais acabar por esquecer o caminho para a escola. Vais adoecer e morrer a caldos de galinha. Vais resignar-te a ser pobre e humilde como a terra que trabalhas, fazendo renascer a profecia do botas? Estás à espera que a Bandeira ganhe unhas para não lascares as tuas? Uma espécie de troncos com olhos mas sem cabeça. Floresta a definhar, homens-árvores de onde só cai noite. Sono. Sono. Sono. Sono. Sono. A dormir. A dormir. A dormir em enxergas de névoa.