16 fevereiro, 2014

é



a noite está de vento e o mar certamente encrespado. ninguém a não ser a minha pessoa, faz a mínima ideia do quão difícil é ser eu.

03 fevereiro, 2014

um pouco mais de alguma coisa



já persegui pássaros
(tinha de o dizer)
esta noite o vento ralhou, ralhou, ralhou…, até que adormeci. não me recordo de mais nada – o medo é sempre tão delicado

24 janeiro, 2014

coisa pouca



lume indiviso onde arde a palavra, a profundidade da razão e a lentidão da infância.

[agora vou desembaciar a língua]

22 dezembro, 2013

8º aniversário desta pastagem

Passados 8 anos e o pasto ainda não secou por completo, veremos até quando serei capaz de lhe dar vida.

Aos amigos, leitores e visitantes, desejo-lhes um Bom Natal e um óptimo Ano de 2014.

Deixo a todos um grande abraço.

07 novembro, 2013

da imperiosa necessidade de



varrer a vida de ar novo; uma espécie de reinício para chegar ao cimo. ou subir à copa das árvores se for preciso. o deleite da minha infância foi uma ameixoeira, havia outras, mas era só aquela que eu queria. a vida que das raízes me vem.

09 outubro, 2013

excerto

...
No restaurante o empregado apanha do chão as palavras que as pessoas deixaram cair enquanto mastigavam. Os silêncios engomados há muito que tomaram café; sobremesa e digestivo já não se usam. No guardanapo havia um resto de lábios de mulher. Deve ter lá ficado num qualquer momento entre beijos e bocejos.

...

excerto de, OL - Ou a mesa de todas as fomes (inédito)

01 setembro, 2013

pacientes são as aranhas


navego uma maré de não desperdício verbal; tão nítida que ao semear o texto o vou perdendo. estou porventura mais eu. ou então as palavras assumiram perante mim a sua natureza antropófaga. ou ainda sob o efeito da aridez dos dias o sangue queima e o meu caminho de escrita assumiu-se um mar de pedra. a espaços febre e espasmos. pacientes são as aranhas, eu não.

26 agosto, 2013

eu

“Na opinião dos mortais os deuses não suam.
Mas ai dos poetas que não suam!
O suor é a luz dos homens.”
[José Gomes Ferreira, Dias Comuns IV – Laboratório de Cinzas]
 
morrer do desejo de desejar. morrer no papel onde escrevo. morrer no que digo incapaz de me fazer entender. morrer na saudade que nunca tive. morrer porque a bem-dizer nunca tive nada. mas se eu um dia vos pedir – guardem-me a alma sem me perguntar nada.
[eu, antónio paiva]

13 agosto, 2013

[!!!]


sempre que morre um ser humano fico incomodado, sempre que morre um bom ser humano fico muito incomodado. sempre que morre um bom ser humano e bom escritor ou bom artista, fico muito mais que muito incomodado - dói-me. é uma dor que não sei descrever. há no entanto uma dor que me acompanha todos os dias - é que enquanto um bom ser humano e bom escritor ou artista não morre, poucos muito poucos, quase nenhuns, se lembram que ele existe, carecendo ele tanto de lembrança.

17 julho, 2013

É uma crueldade existirem pobres.


     É uma crueldade existirem pobres. Os ricos odeiam dar esmolas aos sábados, é fim-de-semana, será que esses miseráveis não sabem? não sabem que ao sábado é fim-de-semana? aos domingos ainda vá que não vá, de manhã à saída da missa ou depois de engraxarem os sapatos na esplanada do café, ou à tarde depois do chá, para além disso ao domingo já é quase segunda-feira. Ao domingo até dá jeito para iniciarem a semana de peito em flor. Rima com amor. Louvado seja. Persignam-se. Com rostos de perfeita pureza. Tão certinhos como comboios à tabela em dia de greve.
 
excerto de OL - Ou a mesa de todas as fomes. (inédito)

15 julho, 2013

excerto de um original que talvez venha a ser um livro


[Porcos sem asas cuja ambição é sujar o mundo. Mas atenção; boas intenções não bastam para erguer uma obra de arte, ou a arte em livro. Ou a vida meus senhores, ou a vida minhas senhoras. Esta noite ouvi o pio da coruja, tinha uma alma dentro. Depois ouvi o cão do vizinho a ladrar, tinha pelo menos duas almas dentro. Depois chegou o Luiz Pacheco e a seguir o Alexandre O'Neill, a partir daí não houve mais sossego. Voámos por cima dos telhados, eram três da manhã, enquanto os outros aproveitavam o sono, uma mulher atirou-se do último andar com a vida suspensa pelos cabelos, e nós transpirámos nas nuvens a tocar flauta até o vento ficar dorido.]

13 julho, 2013

Cava bem fundo, Jorge!

Cava bem fundo, Jorge! Cava bem fundo! Dizia-me a minha mãe lá mais adiante vergada ao peso da enxada olhando-me por baixo do braço como se estivesse a enrolar o corpo no corpo. E eu cá mais atrás, arfava a bom arfar, o cabo da enxada era mais alto do que eu e mais grosso que os meus braços, e eu a ver se conseguia cavar bem fundo, bem fundo, a ver se enterrava o meu desespero, por não conseguir cavar tão fundo como a minha mãe queria, (....).
Faz os regos direitos, Jorge! Faz os regos direitos! Era a minha mãe outra vez, (...).
Mãe, o país já não está como o deixaste, mãe! O país já não está como o deixaste! (....).
Eles cavaram bem fundo, mãe! Cavaram mesmo muito fundo! Mas os regos estão todos tortos, mãe! Muito tortos, mãe! (...).
 
[excerto de ...]

13 junho, 2013

sofrósina;


disseram-lhe que tinha de andar sem pernas e morrer sem apelar à morte. disseram-lhe que tinha de ser assim em nome de tudo quanto desconhecia. uma espécie de estupidez ao  jeito de lua-cheia e cio. nunca se preocupara com o preço dos vasos de manjericos. manjericos conhecia muitos. sabia dos submarinos como toda a gente. à noite fala com o vento que ralha. a culpa é de um trimestre chuvoso – disse o outro. da mente esconsa do grande chefe, emergem nevoeiros e vertigens, que o fazem sentir cada vez mais longe de casa, mais longe de si. a vida não é senão uma réstia de mentiras agoniadas. um sufoco.

decidiu pelo privilégio de pensar pela própria cabeça. os armazenistas, os especialistas e a governação não acharam graça – nunca acham. preferem a anuência prenhe de benesses e adulação. mas ele decidiu que estava na hora de os mandar - mandou-os – e foi à vida dele.

09 junho, 2013

a respirar a respirar a respirar

sobre as alvenarias caídas voarão os pássaros em direcção ao sul como é conveniente. há a rouquidão das janelas e as portas boquiabertas escancaradas. fundos testiculares a verter dos cueiros. nada de excrementos e ladaínhas imprecatórias. andam por aí dinossauros - andam. andam por aí apoucadores(as) - andam. andam por aí citadores(as) - andam. há quem me queira num sono fossilizado - há. tempest...uoso rasgarei a pele da terra. em tempos alguém escreveu e disse: que eu poderia atirar as minhas palavras ao vento que elas nunca se perderiam - mas agora não. agora tudo está perdido. não, nada está perdido e eu continuarei a atirar as minhas palavras as todos os ventos. e nunca se perderão, porque as minhas palavras, tal como eu - sabem voar. sabem.

08 junho, 2013

a respirar por imperiosa necessidade

ando agoniado, constantemente a caminho do vómito. esta coisa da intelectualidade e do in, que os/as leva a vociferar que não gostam de fado, que abominam futebóis. trapum! anzóis! que não deitam o olho ao splash e à fany e ao pai da fany e outros da mesma fauna. mas deitam!; deitam os olhos e babam-se e lambuzam-se! e, depois para se purificarem até são capazes de ir aos chás-literários, sardinhadas-literárias, à ópera e ao teatro, e…, e…, e!
assim como as guerras têm os heróis que merecem, também a cultura tem os intelectuais que lhe impingem e que se lhe oferecem. às vezes não passam de electrodomésticos avariados. rasga. rasga. rasga. lambe. lambe. lambe!
um dia conto-vos uma história. hoje não é dia.

30 maio, 2013

respirando

fartas de vergastadas e atavios significantes, andam as palavras.

eu também!

14 maio, 2013

in "Livro Imperfeito" - 2010

 
   Os sons da música de Gheorghe Zamfir adocicam este fim-de-tarde sombrio de um dia plúmbeo. A ferir os meus olhos, só o branco nu desta folha de papel, a desafiar os meus pensamentos, sentados num baloiço para cá e para lá, e eu sentado nesta cadeira a adivinhar o vento lá fora. As minhas mãos desenham as teias do tempo, onde a vida me prende sempre que me debruço no abismo. Ainda há pouco chovia copiosamente, agora amainou. Só esta minha febre é que não baixa e as palavras correm tão devagar neste branco feito de celulose. Ainda pensei em escrever o mais belo poema de amor, mas desisti. Wagner já o dedicara a Isolda, e eu como sempre chego tarde, tarde demais. Invejo a alma de Fernando Pessoa; “em tudo quanto olhei fiquei em parte”, escreveu-o ele. Inteligente e mordaz, José Gomes Ferreira escreveu: “Ah se eu pudesse suicidar-me por seis meses!”. A verdade é que tudo muda, já houveram tempos em que as guerras e os muros eram feitos de pedras. Agora apedrejam-se as palavras e quem as ama, mas não é com pedras, é com insultos.
   Eu, eterno aprendiz da escrita, sobre quem as palavras exercem um fascínio arrebatador, ofereço-lhes sempre a outra face sem qualquer espécie de hesitação. Espero um dia delas obter o perdão e continuar a servi-las a vida inteira. Só elas me favorecem a luminosidade do pensamento na fluência da sua magia despida do óbvio. Quem é testemunha disso é a cadeira onde me sento e as palavras me visitam.
  Não resisto a recordar enquanto sorrio, isto para além de me rir de mim, antes que, quem me ler o faça. Confesso que não gosto de ser o último a ter esse privilégio, ainda que possa parecer um triunfo patético, dele não abdico. Quero lá saber se o apelidam de um simulacro de cinismo. Para me defender, já aprendi a esgueirar-me na pluralidade das sombras. No início era apenas uma simples nuvem a que recorria, que com o tempo fui aperfeiçoando e, hoje estou quase mestre.
   Há quem teime em repetidamente chorar lágrimas de amor sob forma de poesia, como quem morre de fome no vazio de uma caveira, a verdade é que sempre foram os excessos que pariram a fome. Em tempos, os poetas, quando tomados pela esterilidade colocavam uma flor na lapela, amenizando assim o penar no deserto dos versos. Muitos dos de hoje, relegam a poesia à inferioridade de um nariz comprido e, desatam trovejar tempestades vazias, com versos enrodilhados em palavras de amor. O mais importante no seu entender, é vomitar no papel, algo que se assemelhe a versos, ao que eles mesmos, presunçosamente se encarregam de chamar poesia.
   É por esta altura do texto, que me começam de novo a martelar na mente, as sapientes palavras de José Gomes Ferreira; “Queria ter duas bocas: uma para beijar e outra para comer. Assim, com uma apenas, só posso morder”. Não faço ideia, até quando o tronco que me sustenta me acompanhará no nascer e pôr-do-sol, e com ele a seiva das palavras me fará florir os olhos sem fadiga. Até quando a abençoada chuva de sílabas fará verdejar cada linha, até lá, que os meus dedos sequiosos de afagar cada letra, vivam sem repouso. Talvez eu tenha a fortuna de não dar conta de o meu tronco secar, nem sentir a mente carcomida, muito menos de sentir as dores do cerne de mim a apodrecer.

 

   Se assim for, a minha pausa entre memórias será gratificante, soberba.

 

09 maio, 2013

Blogue - Oficinas de Escrita Criativa

Aos amigos, leitores e visitantes, sugiro uma visita a este meu Sítio

Grato.

28 abril, 2013

Lugares de outros tempos



Fico aqui, ao crepúsculo, com vontade de fazer chorar as palavras. Recordo a velha ponte que atravessa o rio. Os salgueiros nas margens onde os melros faziam ninho. Os milheirais de verdes e grossas espigas, que mais tarde aloiravam. O pequeno anzol suspenso por um fio de nylon amarrado na ponta da cana-da-índia. Foi há tanto tempo. Eu descia a serra, por ténues carreiros que serpenteavam os troncos dos pinheiros. O destino era o Mondego, o rio. Uma linha de água límpida, no leito do rio era possível ver o cascalho, pedrinhas de tantas cores, delicadamente polidas pelas águas. À sombra dos salgueiros pequenos barcos amarrados, eu pulava para dentro deles e fazia-os baloiçar. As águas ondulavam em círculos que se alargavam até desaparecerem. Eu sabia que aquele rio ia desaguar no mar, mar esse que eu nunca tinha visto. Imaginava-o do que lia nos livros da escola primária. Se aquele barquito fosse meu, tal como eu desejava, ia rio abaixo até à foz. A foz do meu imaginário. A foz dos meus sonhos, um milhão de vezes maiores que o meu tamanho. Conheci esse mar, essa foz, já com doze anos de idade. Foi o deslumbre, fiquei extasiado, aquele mar imenso a perder de vista, aquele vai e vem das ondas que eu só conhecia dos meus sonhos. A espuma beijava o extenso areal. Os meus olhos a saltar das órbitas, o meu pensamento corria mais depressa que as minhas pernas. Aquilo era tanto. Um miúdo da serra sentia-se filho do mar. Inesquecível! Ironia do destino, hoje vivo rodeado de mar.

 

Apesar disso, não esqueço as minhas origens, orgulho-me delas. Talvez seja por isso que o mar sempre me recebeu tão bem.

 

Recordo o cheiro dos pastos, das veredas, dos matos, dos pinhais. Os caminhos de terra por onde conduzia o pequeno rebanho de cabras e ovelhas. Sei-os de cor. Os sítios onde me sentava para devorar os poucos livros que conseguia arranjar, todos eles dados ou emprestados. Era assim que passava o tempo enquanto pastoreava o pequeno rebanho. Viajava nas páginas daqueles preciosos companheiros. Tantas vezes os reli por serem tão poucos, mas cada vez que os lia era como se fosse a primeira vez. Era por ali que fazia também os deveres da escola. Entre uma espreitadela ao gado e as melodias do canto dos pássaros, todas as matérias me pareciam fáceis e orgulhava-me disso. Nunca me sentia cansado ou enfadado. Sabia de todos os lugares onde os pássaros faziam os ninhos, espreitava-os às escondidas, via os ovos, mais tarde as pequenas criaturas acabadas de sair da casca, o seu chilrear faminto, as idas e vidas dos pais para os alimentar, mas nunca tocava nos ninhos. Sabia que as aves enjeitavam os ninhos quando se lhes tocava. Eu que gosto tanto de pássaros, não queria que aquelas inocentes avezinhas fossem abandonadas pelos progenitores, por incúria minha.

 

Gosto de recordar com orgulho, quando aos sete anos de idade, pedi à minha mãe que me concedesse um pequeno pedaço de terra, para eu poder semear sozinho algumas batatas. Ao que ela acedeu um pouco renitente, dando-me um pequeno rectângulo de terreno sombrio e pouco produtivo. Eu não me importei, deitei mãos à terra e às sementes, cavei, abri regos, coloquei as sementes, estrumei e adubei. Satisfeito com o meu trabalho. Fiquei a aguardar o resultando, esperando com o passar do tempo e visitando o local amiúde. Comecei por ver as frágeis folhas a romper a terra, eu sorria de contente, foram crescendo ficando cada vez mais fortes, até que chegou a altura de as colher. Eu, ansioso, peguei na enxada e dirigi-me ao local e comecei a cavar cuidadosamente para não as estragar. Para meu espanto e para o espanto de todos, eram batatas enormes e em boa quantidade. Eu não cabia em mim de felicidade A partir dali nunca mais parei de semear o que me apetecia, de plantar árvores.

 

Tal como as árvores que fui plantando, também eu fui crescendo, hoje tenho um pouco de todas elas dentro de mim. As minhas memórias são o suporte do meu presente, a alavanca para algum futuro que eu possa ainda ter. Não que eu esteja preso a memórias, mas guardo-as com muito orgulho e delas faço uso em muitos momentos.

 

Farei sempre parte de um bando de aves, à procura de uma ilha que sabemos existir algures. Não importa onde. Eu jamais farei parte de um presente ou futuro gerados pela asfixia.

 

Agora desculpem, mas tenho de ir.

in "Pedaços de Vida e Fantasia" 2009