30 julho, 2009

Ode ao Arquipélago da Madeira e Porto Santo [abraçando as Desertas] (cont.)

II



gosto de me pôr à janela desta ilha que habito
a olhar o grande oceano em azul majestoso
a minha dimensão é do tamanho do que sinto
sou tantas vezes livre quantas vezes me liberto
só eu sei o que o meu pobre corpo vibra
quando a alma dele se evade e poisa nos canteiros
há flores de todas as cores perfumes sem dores
uma ilha nunca será pequena como a dizem
pois a partir dela se pode ver a dimensão do mundo



por aqui sei que posso venerar o crepúsculo
combater o tédio compreender sem destruir
sinto que destruir é esquecer de amar
esta ilha ensinou-me a amar desde que me acolheu
alimentou-me dos seus seios esplendorosos
resgatou-me ao cansaço ofereceu-me o seu generoso regaço
toda esta ilha é um majestoso corpo de mulher
onde se adivinha o amor estendido nos braços dos homens
abençoado pela mão despida do oceano



imagino Gonçalves Zarco a desembarcar
para além das naus traria certamente o sol nos lábios
nos olhos o êxtase que o belo ao homem sugere
no rosto o espanto pela sensualidade do verde e azul
estremecendo de prazer no rasgar do véu feito de bruma
entre mar e céu festejos de pupilas dilatadas no calor da terra
visão inesquecível e comovente para pintores e poetas
tocantes sinfonias de vida e alegria nascem nesta pauta feita ilha
a mão do homem que tudo muda mas a essência e o amor permanecem



antónio paiva
(por favor respeite os direitos de autor)

28 julho, 2009

Ode ao Arquipélago da Madeira e Porto Santo [abraçando as Desertas]

I



perdoem-me o atrevimento de querer contar
cantar e encantar uma ilha um arquipélago
perdoem-me porque por amor se cometem loucuras
é indelével esta minha paixão pelos recantos e encantos
e tento por palavras esculpir o que sinto
às vezes deliciado outras incrédulo num sonho de escrever



tudo o que eu possa escrever não passará de um rascunho
ainda que sentido e fiel ao amor por tanta e indizível beleza
tanta História e labor trespassa a minha pobre mente
um efeito prolongado e decisivo sobre tudo o que há para fazer
viver sentir e preservar a dar forma ao que somos e às nossas vidas


só os mais distraídos não darão conta
do sangue dos nossos antepassados a correr dentro de nós
misturado com o nosso a irrigar cada ser único e irrepetível
a tudo isto se junta o que é grande e magnífico como o oceano
um véu azul e transparente onde se vê a alegria
até à raiz mais nobre e profunda dos rochedos vigilantes



erguem-se imponentes e majestosos os picos
beijando intencionalmente as nuvens fermentando as brumas
bem-aventurado arquipélago bafejado pela harmoniosa anarquia
de paisagens tão diversas e antagónicas na profusão de cores
rochedos cascatas ribeiros levadas abruptos desfiladeiros
manta de cores nas copas dos arvoredos terra húmida e fértil
flores de cores intensas e aromas densos a despertar tórridas paixões


tão tórridas quanto a aridez selvagem das Desertas
por toda a parte sons misteriosos da azáfama da Natureza
o canto das aves a graciosidade escultural do lobo-marinho
perante tão intensas sensações a mente rejubila de contentamento
e o corpo pede repouso no dourado e quente areal de Vila Baleira

antónio paiva
(por favor respeite os direitos de autor)

08 julho, 2009

breve ensaio à inércia





um e outro a ilusão de cada um de nós,
na bruma perturbada pelos gnomos do silêncio.
indescritível dor de gozar a calma do exílio,
na tela húmida de um tédio irreal e vago.

respiramos o ar intensamente neutro e mole,
como o cerimonial da cauda de um gato dormindo ao sol.
assim nos imaginamos felizes rindo,
num tocar de pés nus a plausível necessidade dos vivos.

um lábio toca outro lábio habitando juntos,
a mesma boca o mesmo rosto a mesma inércia alada.
um cansaço é a sombra de outro cansaço,
uma súplica uma exigência ao direito de não fazer nada.