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a vida mente-me, as pessoas mentem-me. eu recolho as redes tranquilamente e depois minto-lhes também. mimetismo derramado em gestos; riso, choro, recusa, anuência, desejo, negação, ausência, presença, partilha, egoísmo, inveja, reconhecimento, amor, desamor, renúncia e recomeço.
umas vezes sou mais, outras sou muito menos, outras ainda volto-me as costas, outras tantas vejo-me na íntegra. espectro de querência durante a manhã, lugar de esopo ao entardecer, porque os espelhos mentem todas as noites. há em mim uma longanimidade intermitente, por vezes bálsamo, por vezes autoflagelação.
sou capaz de amar entre as fases da lua e nos plenilúnios, não sou capaz de viver sem um amor que acasale com o meu, ainda que eu seja a maior parte do tempo um rio de ausência. nem sempre é fácil transpor o pórtico ogivado e chegar até mim, no entanto rendo-me facilmente à surpresa do gesto, à delícia de me deixar escorrer pelo mel dos lábios, com os olhos marejados de sal.
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