27 dezembro, 2008

in Genéricos 6

Hoje entreguei-me ao fazer nada, porque o fazer nada me distrai, como se a vida fosse um feriado, que me dispensa do tédio. A fadiga cansou-se de me impor tarefas, por saber que substituí o agir pelo compreender. Já ouvi dizer que isso era uma questão de sensibilidade. Mas se dediquei noventa e nove por cento da minha existência à coisa material. Agora almejo alguma inteligência.

uma espécie de escritos avulso
para ler sem receituário

antónio paiva
  • Despeço-me de todos vós até 2009.
  • Desejo-vos um Excelente Ano.
  • Não se esqueçam que da adversidade nascem as grandes oportunidades.
  • Vamos à luta.
  • Um enorme abraço a todas/os.

22 dezembro, 2008

3º aniversário desta pastagem

No dia 22 de Dezembro de 2005, deu-se início à sementeira desta pastagem. Desde então, com mais ou menos disponibilidade, com mais ou menos vontade e capacidade, tem-se procurado fazer com que não seque.

Entre algum passado e o presente, pode ser que até haja algum futuro. A ainda breve história deste sítio; é feita de palavras e algumas imagens, umas vezes com algum interesse, outras assim-assim e, outras coisa nenhuma. Também é feita dos que por cá passam, uns de modo visível, outros de modo discreto. Mas, todos eles são para mim muito importantes. Um agradecimento também, aos que já por cá andaram, mas que, por razões diversas tomaram outros caminhos, sim, porque a vida não é de caminho único.

Isto para vos dizer o quanto a todos estimo, e que é muito. E ao mesmo tempo manifestar a minha gratidão. Esperando poder continuar a contar com as vossas preciosas visitas e apoio.

No calendário pode ver-se que é época natalícia, mas não me vou alongar sobre isso, direi apenas; que o Natal me entristece cada vez mais.

Que o vosso Natal, seja aquilo que vocês mais desejarem. Sejam felizes, e procurem fazer alguém feliz.

Um grande abraço a todas/os.

21 dezembro, 2008

in Genéricos 5




Corre um fio de água no ribeiro, a levar o queixume da minha tristeza. Além pega de estaca o salgueiro, como é belo o tenro verde que viceja. Do seixo transpira o sofrimento da alma, fraca é a natureza humana. Aquieto-me só e com calma, no instinto regenerador que da natureza emana.

uma espécie de escritos avulso
para ler sem receituário


antónio paiva

20 dezembro, 2008

in Genéricos 4





Ao amor o tempo sempre lhe foi curto, enquanto cresce a vontade dos que o partilham. Ainda há pouco, mesmo há muito pouco, vi o poeta tocar com o dedo na paisagem. E dissipou-se a névoa da frescura da manhã, surgiu então a imensa página azul do oceano.

uma espécie de escritos avulso
para ler sem receituário

antónio paiva

19 dezembro, 2008

in Genéricos 3





Como se tudo fosse um absurdo – até o sonho. Como se tudo fosse ridículo – até esculpir silêncios. E abdicar do amor como quem desmancha o universo. Assim, como quem se despoja de tudo – e nada mais lhe pode ser subtraído.

uma espécie de escritos avulso
para ler sem receituário

antónio paiva

18 dezembro, 2008

in Genéricos 2

Tomara que fosse real a transmigração de almas entre os corpos. A sublimar a multiplicação do autêntico. Tomara que a promiscuidade não atingisse o cerne da razão. Que nenhuma força por mais hostil que fosse, vergasse a verticalidade ou pervertesse o instinto.

uma espécie de escritos avulso
para ler sem receituário

antónio paiva

16 dezembro, 2008

in Genéricos

Num vagueio impregnado de modorra, a ignorar o desassossego natalício das ruas. O corpo era a rena a puxar o trenó da alma, perseguindo o extremo da dor física, tão profunda como inútil. Há um frio quotidiano que se acentua em épocas de culto festivo. Um banquete de desespero onde se sentam todas as fomes.


uma espécie de escritos avulso
para ler sem receituário

antónio paiva

15 dezembro, 2008

A vaidade é um sítio




A vaidade é um sítio, um lugar comum, uma pensão barata onde dormimos e acordamos e nos rimos que nem parvos.

Vá-se lá saber porquê; este pensamento nasceu aqui.

09 dezembro, 2008

Lançamento do livro "Leituras Soltas" Fnac Madeira

(clicar na imagem para ampliar)
No próximo sábado dia 13 de Dezembro pelas 17 horas na Fnac Madeira.
Eu e os/as restantes autores/as estamos à vossa espera.

A totalidade das receitas da venda deste livro, serão entregues à AMI e Rotary Club do Funchal.

Um abraço.

08 dezembro, 2008

as memórias são um livro




no banco corrido de madeira
estendido no velho soalho do alpendre
está sentada a velha senhora
sorriso tão alvo quanto o branco dos seus cabelos
há cravos e sardinheiras no pedaço de terra sobre o muro
o pátio amplo a cozinha do forno o marmeleiro ao fundo num canto
a porta de saída para o quintal a laranjeira a nespereira
os corrimões de videiras as nogueiras a ameixoeira os pessegueiros
a horta as oliveiras o sol na terra onde se colhia até vida

isso foi há tanto tempo!

agora não há mais a velha senhora o banco corrido de madeira
o alpendre está vazio os cravos e sardinheiras esfumaram-se
a cozinha do forno é uma ruína o marmeleiro já não existe
o pátio amplo coberto de ervas daninhas é um exílio de sombras

isso é uma espécie de presente onde florescem angústias!

antónio paiva

03 dezembro, 2008

Tédio




A vós que vos queixais a tempo-inteiro de morrer de tédio; calai-vos que a morte é o tédio por inteiro.

Bem sei; amais a desgraça como a um amor físico.

Bem sei; pedis perdão aos vossos deuses nas horas de aperto, mas não sois capazes de pedir desculpa ao vosso semelhante nas horas de culpa.

Bem sei; dos vossos deuses não conheceis os olhos, do vosso semelhante passais o tempo a desviar o olhar.

Bem sei;
antónio paiva

29 novembro, 2008

Uma mensagem, um poema e um abraço


As duas últimas semanas trouxeram-me do pior e do melhor que a vida nos pode oferecer. A vida é um caminho muitas vezes sinuoso e íngreme. Outras vezes plano e muito gratificante. Do nosso crescimento e aprendizagem ambas as situações fazem parte. Vida.
Por tudo isso tenho andado afastado de todos vós que me visitam e acarinham. Vou tentar o mais breve possível retomar a normalidade.

Deixo-vos algo que trouxe comigo da Escola Secundária de Anadia. Um poema escrito, musicado e cantado de modo brilhante, pelo jovem aluno Luís Martins.

Ser Poeta
Ser poeta é ter o dom
De compor música sem som, é sonhar
Expressar os sentimentos
Expor o que vai na alma, levitar
O meu desejo é ser poeta
Mostrar ao mundo o que sinto…e voar
Ser puro de coração,
Explorar o meu interior…e criar
Inspiração vinda do passado, reflectir sobre o presente
Sentir desejo de ir ao Céu, mostrar como é ser diferente
Com o pensamento e imaginação,
Como a imensidão do mar
Ser transparente como a água,
Invisível como o ar
Escrever poemas é criar ligação,
Entre o imaginário e o seu criador
Este é o verdadeiro poeta,
Que apesar do que sente escreve por amor

Luís Martins

13 novembro, 2008

o tempo corre

detenho-me às vezes
em líricas indecisões
o tempo corre
as folhas amarelecem caindo
as palavras amargam na boca
da viuvez da alma
por não rasgar a frágil teia que separa
o tempo corre
será de novo verão
as searas voltarão a aloirar
a alma afogueada então

a colher vermelhas cerejas carnudas de vida.

antónio paiva

08 novembro, 2008

íntimo rigor

a dor,
concedida ao homem,
pelos deuses.
alimento indispensável,
forjada em presságios,
absorvida pelo corpo.
deposito,
todas as minhas dores,
os meus prazeres,
sedentos,
de uma paisagem como tu,
insofismável refúgio.
ofereço-te,
os meus queixumes,
embrulhados em sussurros.
junto de ti,
enlouqueço,
gemo,
sofro,
embriagado,
entontecido,
abrigo-me dos espíritos da noite.
os meus braços,
são roupas,
vestindo a nudez do teu corpo.

gestos,
gotejantes de carícias.

antónio paiva

07 novembro, 2008

quase falando de mim

sinto esta emoção inebriante
de um tempo quase imóvel
recortado na silhueta das fragas
o céu opressivo e circunvagante
a olhar o mar no fundo das ravinas

por aqui vagueio secreto e tangível
ao sabor desta brisa pacificadora
no derredor desta íntima paz verde
ínfimo silêncio uterino em pequenos pedaços

neste tempo mil vezes resolvido
fico-me à conversa com o descanso
de permeio com a verdade irrecusável do que sinto
cúmplice a acácia centenária
neste meu ir e voltar a sublimar as distâncias
aguardo um regresso em que possa falar de mim


antónio paiva

06 novembro, 2008

na escrita sinto-me em férias do mundo

na escrita sinto-me em férias do mundo.
dentro dela;
não me considero obrigado a nenhum civismo.
tão-pouco;
a qualquer congeminação telúrica ou humana.

nela me debruço;
e apetece-me tudo menos ser responsável e ético.

ainda que as coisas do mundo;
se me entranhem na alma até ao cerne,
e não me deixem esquecer;
o dever de ser solidário para com quem sofre.

nela me sinto livre, aliviado e contente;
sim, porque a tristeza e eu somos a mesma pessoa.

antónio paiva

*inspirado na leitura de um texto sobre o Algarve, da autoria de Miguel Torga.

27 outubro, 2008

possível retrato de poeta

olhar de mármore
sede arqueada
alucinação do poeta
diverso inesperado antagónico
a génese do peregrino
um registo entre muros
no trilho saibroso da nossa cultura.

o verdadeiro não fala de chapéu na mão
mesmo que; por subtis razões éticas
a arte ausenta-se;
em todos os lugares onde o homem não é livre.


antónio paiva

18 outubro, 2008

Mundo depósito de erros

A sorte virou navio desertor sem cordoalha nem mastros tão-pouco bússola ou sextante e de leme quebrado é impossível o regresso a casa. Vive agarrado à ponta de uma seringa que um dia conheceu numa festa de amigos vespeiro de tentações promessas de inolvidáveis sensações que na realidade não passam de estrume. Agora todos os medos são inéditos uma vida crucificada na ânsia de obter a próxima dose que o vício não pode esperar. Viver no vermelho os espasmos físicos apoderam-se da mente dançando nas entranhas e a razão dispensa tudo quanto possa assumir forma de razoável e lúcido vida ou morte tanto faz é urgente a próxima dose a alma está seca e o vício sedento a vida é imprópria e se matar for o meio para atingir o fim ele pássaro volátil matará obedecendo ao vício.
Indiferentes os vindimadores de vidas vão fechando o cerco e alimentam-se da abundância podre gerada a partir de almas agarradas cachos em sangue que se anulam e oferecem para morrer antes do fim. Passivamente habitamos esta chuva ácida aliviando a consciência numa mera troca gratuita de seringas e no discurso encharcado de vómito liberaliza-se ou pune-se o consumo já de si uma prisão dentro ou fora delas o exercício da morte assistida no consumo assistido uma atitude vazia a conceber uma morte ironicamente higiénica.

O mundo é depósito de erros o homem a sua fonte maior
.

15 outubro, 2008

Pensamentos de algibeira e pouca monta

Faço algumas leituras desatentas, vulgo; leituras na diagonal. Por vezes não são nem mais nem menos; do que um estado latente entre uma ideia e o exercício da escrita. Estado esse que em geral, se me apresenta, como um exercício mental muito intenso e desgastante. Daí a minha necessidade de o aliviar.
Tenho de reconhecer que nem sempre foi assim. A minha abordagem à escrita tem sofrido alterações ao longo do tempo. Tempos houve, em que escrever, para mim se assemelhava ao acto de abrir uma torneira, e logo jorrava texto, fluido e despreocupado.
A isso não era por certo alheio, o facto, de nessa altura eu escrever sem pensar em algum dia vir a publicar. Vivia desse modo o gozo da escrita no estado mais puro e inocente. Se tenho saudades desse tempo? Algumas, claro que sim.
Até que um dia; por incentivos, muitos, e razões, diversas. Decidi publicar poemas e depois alguma prosa. Desde então, cada vez que escrevo, passo o tempo a protestar comigo. Ora em voz mansa. Ora em voz grave. Quantas vezes ralhetes irónicos.
Isto de transformar a minha escrita, em escrita para os outros, às vezes é quase trágico. Ainda assim, acaba por dar algum sentido, ao meu destino de pensar. Uma responsabilidade de transmitir calor, em muitas circunstâncias a tremer de frio.

Pensamentos de algibeira e pouca monta.

11 outubro, 2008

Alice está só

Alice passa o tempo a formar ilhas no seu quarto absurdo. Movimenta-se de um lado para o outro à espera do eco de existir. Parece aguardar alguém a quem perguntar as horas. Como se fosse urgente acertar o seu relógio da solidão.
Fala só. Para se certificar que existe, ouvindo o som da sua voz. Lá fora todos se acham normais, e respiram a crise financeira que invadiu o mundo. Alice suplica; por delicadeza inventem-me um tempo qualquer. Por favor; preciso de o habitar. Queria tanto falar. – Alguém me empresta as orelhas?
Os relógios habitam todos a mesma hora e Alice está só. Habita a hipnose do seu quarto absurdo. A recordar o futuro que haveria de ter. Só que o passado vergasta-lhe o presente. Se ao menos a beijassem por dentro. Pensa. Sentiria por certo a vida a poisar-lhe na cabeça como uma borboleta.
Mas não. Não a beijam por dentro e a sua vida habita um fungo. Uma náusea viva. Pesa uma tonelada obscena de tédio. A sua vida. Um velório de anedotas. Humor negro. Um labirinto de ruas pequenas com cheiro a urina e suor acre que vão dar sempre ao mesmo sítio. Um quarto absurdo onde Alice embala fantasmas.

Alice está só.

09 outubro, 2008

Um momento escrito a tinta permanente

Habita-me agora um halo de sossego, um estar isento de desperdício. A vida a correr leve, sem murmúrios inúteis. Um brando correr da alma. Aqui, agora, até a aragem é perfeita. Um momento sereno e recanto meu. É assim o perfume humilde do amanhecer.
Dentro e fora de mim tudo sinto por igual. Esta luz matinal serenamente a esculpir o mundo dos meus olhos. Sim, há momentos em que até a nuvem mais escura tem brilho. E aquela roupa branca a adejar no estendal, é a magia das memórias sem saudade, que me estão a bater à porta. Vou abrir.
O azul por cima do azul do oceano corou. Atmosfera alaranjada beijando o mar. E esta brisa de emoção que desperta em mim. Esta luz que entra dentro de mim. Como uma criança em viajante adulto acabado de chegar. É neste tempo que os relógios não sabem contar, neste espaço que não se mede, que a Vida me habita a alma.

Um momento escrito a tinta permanente.

08 outubro, 2008

Rabos-de-palha; todos temos

Passamos a vida a queixar-nos disto e daquilo. Mas depois; depois por comodidade ou cobardia, não tiramos as asas do armário. Há quem se dedique a pedir licença para existir. Uma espécie de liberdade acorrentada a palermices. O culto do medo de ter coragem.
Talvez tudo comece no gosto de mastigar azedas na infância. Que depois se prolonga no exercício de mudar prioridades. A fome cansada que se estende no sofá-da-lei-do-menor-esforço. A bebericar um chá de tenham-piedade-de-nós.
Na vida de casal os carros já são entregues com os maridos ao volante. Ainda há quem defenda que as meninas quando nascem, já deviam trazer um trem-de-cozinha. Nos restaurantes e bares, ao lado dos dísticos de proibido fumar, devia ser obrigatório a afixação de outros, com os dizeres; o homem é que paga a conta.
O melhor mesmo é esperar. Não acham? Embora não gostemos de esperar seja lá por quem for. Esperamos sempre que tudo o que desejamos aconteça; por obra e graça do Divino Espírito Santo. Espera-se o milagre que dissipe o nevoeiro do presente, e nos presenteie com um sol radioso no futuro.
Há a “ingenuidade” preguiçosa de acreditar; que a mudança de governo nos traga melhores dias. A realidade não se compadece com o desejo de chegar sem ter de ir. Lembram-se do “sonho americano”? Pois é; agora virou pesadelo para o mundo inteiro. Será que ainda acham que os sonhos não têm de ser construídos?
Podemos até encetar a existência de aranha, e esperar que tudo nos venha cair na teia. Ainda assim; convém não esquecer da necessidade de construir a teia. A rendição ao deslumbre pelo que fizemos ontem, significa que estamos a desperdiçar o precioso tempo, destinado à tarefa a executar no dia de hoje.

Rabos-de-palha; todos temos.

05 outubro, 2008

Conquistar palmo a palmo o que somos

Na cama onde não estou deitado, o meu corpo ainda dorme e eu continuo acordado. Oficialmente é domingo, e apesar de ser tarde, a lassidão do meu corpo, diz-me que é cedo ainda. Nesta lucidez torpe, a lentidão do meu pensamento, vagueia na inépcia, como se, estando, eu não estivesse aqui.
É neste bem-estar baço de inquietação estagnada, que vivo uma espécie de realidade tépida. Há uma réstia de sol que não aquece, um céu azul quase fingido. Lá longe, ao fundo do mar, há uma névoa que o vento não varre, por estar ausente.
Este olhar antigo que há muito conheço, tão antigo como a paisagem que me trás saudades. Os velhos montes, as árvores antigas e os velhos ribeiros, por onde continuo a chapinhar desde sempre, outrora despido de penumbras, e tudo eram paisagens transparentes.
Ao sabor de moer pensamentos, vou entretendo a espera de coisa nenhuma. Nem mais nem menos do que espreguiçar a existência. Em puro manifesto de direito à preguiça, que, em minha opinião, devia estar consagrado na Constituição, e na Carta dos Direitos Humanos.
Viver é um acto de intenção – ser – o pensamento é livre. A maior parte do tempo actos de impaciência da alma. Sem dúvida espelhados na face. Importante mesmo; é assumirmos a atitude de emancipação em relação ao tédio. O sermos nós sem condições.

Conquistar palmo a palmo o que somos.

27 setembro, 2008

Caligrafia de instantes

A tarde acabou de entrar pela janela do costume, fazendo jurisprudência do hábito. A luz dá início à sua viagem pelas fissuras. E o texto começa a nascer na superfície das palavras. O pensamento viaja até à profundidade suprema, purificando o interior. Há palavras a aderir à página enquanto aguardam pela fulgurância do nascimento de outras. Conferindo ao texto a força e um brilho novo.
Nestes instantes de privilégio surgem as preferências do desejo. Organizam-se os espaços íntimos. Dissolvem-se verbos e predicados em fluxos latentes de preia-mar, nascem frases no espraiar das ondas murmurando palavras. Olhando esse mar fico suspenso na minha vida interior, enquanto as gaivotas despertam do sono tardio.
A minha vida está cheia de erros que me levam à escrita. Sou dependente das palavras, para colmatar um vazio lúcido que me habita. Este sonhar acordado de escrever mantendo a limpidez da página. O alcançar a pureza da escrita. Mas o enredo é sempre tão complicado.
Reúno fragmentos, caligrafia de instantes, a pele da minha pele. E alma toda. Tudo isto eu entrego de livre vontade à essência da palavra. E em cada página procuro desfazer o erro, tarefa árdua e muitas vezes dolorosa. Ainda assim muito mais gratificante do que a existência em estado precário e ensimesmado.

Agora vou até à fonte beber das palavras. O livro.

26 setembro, 2008

Classificados; Equilíbrio Procura-se

Muitas vezes sinto-me a escrever no cais do deserto. Ultimamente cada vez mais. Quase transporto frases e versos nas olheiras. São dúvidas, é o que são. Dúvidas. Esta coisa de transformar ideias, pensares e olhares em escrita, às vezes é um massacre. Uma coisa é um escritor em escombros, outra coisa é; por via de sarar as feridas, transformar a escrita em escombros.
Se tenho algo para dizer; preciso de o escrever. Mas dizer por dizer e escrever por escrever? Pois, é medíocre e só estreita a mente. E disso só pode restar o sabor amargo a remorsos inúteis. Valha-me a santinha da gaveta, que não me cobra promessas.
Estabeleço aqui uma pequena analogia; se temos de ir a um evento, de cujo programa de abertura consta uma maçadora intervenção de retórica, o melhor remédio é chegar atrasado. Evitamos desse modo ficar a bocejar por dentro. Por isso entendo que; se preciso de escrever alguma coisa, e no momento não sai mais do que escrita grossa. O melhor é adiar. Desse modo, não boceja a escrita, não bocejo eu, e evito o bocejo do incauto leitor.
Ainda que, a escrita não seja filha da exactidão de uma fórmula matemática, e passe tempos infinitos pendurada em cortinados de estética, há que evitar a todo o custo, transformá-la em qualquer coisa de carregar pela boca. E dúvidas, muitas dúvidas.
A verdade é que todos nós temos os nossos momentos de temerosas cobardias, e os nossos momentos de coragem patética em exaltação. Dúvidas, muitas dúvidas. E somos tantos a errar por caminhos semelhantes, às vezes diferentes. O anúncio a publicar nos classificados; Equilíbrio Procura-se.

Pois é; fritar miolos.

25 setembro, 2008

O monopólio e o poeta adormecido

Há algo de inquietante que eu não consigo identificar e que me desconcentra. É como se eu vivesse de improvisos e desajustes. Um sonambulismo agudo e o futuro nunca mais amanhece. Ando a escrever os dias a lápis de bruma.
Diz-me tu, poeta adormecido; o porquê de tantas ruas desertas e dias tão cruéis? Tens razão. Tu não apostas na bolsa. Como haverias tu de saber. Se ao menos tivesses um poço de petróleo no teu quintal, podias jogar ao monopólio. Se as coisas dessem para o torto, o banco central injectava mais dinheiro e podias continuar a brincar.
Ardem em barris de petróleo os sonhos da grande massa humana. A fome dos mesmos de sempre, enche os odres dos especuladores impunes. Maldita cavalgada nevoenta que nunca mais tem fim. Caderno de raiva dor e morte, de páginas sempre a crescer.
Um dia os bancos e as bolsas habitarão todas as casas do planeta, e as pessoas habitarão a fome e as ruas. O universo da política e da finança, converteu-se ao exercício do assassinato e da ruína da vida das pessoas comuns. Cuja existência está transformada, num lento e doloroso roer do tempo. Até à agonia.
É este martelar constante nas bigornas da alma que não me deixa sossegar. Não me revejo na existência redonda de andarilho. Se me rasgam as veias bebo o sangue. Cerro a vontade e o pensamento, contra os fabricantes de imbecilidades e ásperos desdéns.

Todo o ser humano – o deve ser – quando mais cedo melhor.

24 setembro, 2008

Tenho fome

Tenho fome. Ponho a mesa para escrever. Abençoada escrita, pão feito de espectros amassados. Tem temperos de silêncios, meditações e recantos de solidão. É a vida em permanente combustão servida à mesa. A alma em prece e coração pendular.
Há silêncios a separar-me do mundo e gritos que dele me aproximam. Apetece-me colocar um lenço de névoa a vendar os olhos. Tantas são as vezes que perco os olhos ao vento.

Por aqui impõe-se a angústia do tédio organizado. Ouvi barulho lá fora, pareciam-me crianças. Fui ver; eram cães. A vida com os reservatórios vazios. O cheiro a fénico indica que a pureza foi desinfectada.

Muitas vezes mastigo croquetes de espanto, carregadinhos de gordura, a enjoar o futuro. É quando a vida vira verruga. Estranha coisa. Verruga. Os funerais são cerimónias organizadas para consolar os vivos. Não sinto qualquer desgosto se de mim discordarem.
O pior de tudo é quando vestimos a nossa mente de virgindade postiça. Um autêntico analfabetismo dos ardis da alma, e não há livros nem manuais que nos salvem. Uma vez cego; cego para a vida inteira. Mestre na geração de equívocos. Pobre homem. Estranha coisa.
Há uma corrente de pensamento que nos transforma em anões; curiosamente há quem goste. E não são tão poucos assim; são até muitos, mesmo muitos. Curiosamente.
Estão a ver? Lá estão eles a cochichar de novo, enquanto isso, tudo se escoa por entre os dedos. A vida no modo mais provisório que há. Assustadoramente infixável. O poder intimida os opositores, não há saber, mas há poder. Puxar pelos miolos é muito trabalhoso. É muito mais fácil intimidar. Reduzir o opositor a uma sombra, onde ele não caiba. Intimidar. Estranha coisa. Intimidar.
Hoje choveu a madrugada inteira, o dia amanheceu a sobrenadar noutra cor. O cão fartou-se de ladrar; tinha uma alma lá dentro. Do cão. Contristada a alma; e o cão também. A esperança devia tornar as pessoas mais jovens. Mas estão cada vez mais velhas. Deve ser mesmo falta de esperança. Das pessoas. Estranha coisa. Falta de esperança.
Que espírito de vagabundo o meu, sempre de um lado para o outro. A existir em permanente estado de protesto. Com a coçada mochila das palavras às costas. A escrita. Às vezes protesto comigo mesmo. E magico versos e frases para encurtar as viagens. Estranha coisa. Magicar. Que não arrefeça nunca, o sangue quente das palavras.

A maior invenção da humanidade foi a escrita; a penicilina da vida.

22 setembro, 2008

O caçador de palavras

O pássaro poisou no ramo do pinheiro junto à casa e cantou para dentro. Os sons têm o dom de mudar os olhos e os sentidos. Assim os dias reformulam os seus discursos. Neste espremer das dúvidas até fazer verter a indiferença das palavras. Nesta coutada de palavras, onde tenho um papel secundário, de caçador viciado, perseguindo as peças de caça, para que a magia aconteça. Uma ou outra vez lá acontece, o triunfo inesperado, a criação de um ou outro parágrafo de leitura.

A minha sorte é que posso azular os olhos o tempo todo, basta que eu queira. Com mais ou menos rigor, outra vida prossegue, outras vidas, é imprescindível. Não podemos ficar reféns de memórias amedrontadas. Ou eternamente temerosos do passo seguinte. A réstia de sol afaga-me as pernas enquanto eu aqueço as ideias. Quero-me filho insofrido do pensamento, onde busco a pureza dos sonhos. O meu cérebro invoca e articula outras alegrias. Gosto de perturbar as horas enquanto crio e não obedeço. Provoco o cio dos relógios em coito permanente com os segundos. Aqueles ponteiros febris sempre a copular o tempo, mas não o reproduzem, usam-no apenas de forma egoísta, profanando as pausas do homem. Mantenho secretamente aceso, este desejo de contrariar os relógios. Às vezes consigo. Chego primeiro. E minto-lhes descaradamente às gargalhadas.

São tantas as vezes, que os meus olhos se querem separar de mim para verem melhor. Sempre em busca da mesma claridade, que a minha sombra às vezes ofusca. Os meus olhos sabem que eu gostava de estar onde as palavras buscam alimento. É lá que quero ir, consciente de que é o melhor lugar para saber de mim e dos outros. Não gosto de ficar frio como as ervas nas manhãs de Inverno. Muito menos com o corpo vazio de emoções. Mas às vezes acontece-me. Procuro defender-me das feridas que saltam do corpo para alma, busco a cura no útero quente das palavras.
Sufoco solidões e medos que vagueiam em busca de um corpo, para lhe atormentar o espírito.

É com este orgulho, objecto longo das minhas memórias, que busco a plenitude da beleza das coisas, para a dissolver à superfície da alma. Extrair o precioso néctar que gosto de partilhar. Na ânsia de que o bebam e gostem. Não tenho a certeza se essa perfeição existe, mas busco-a, quero-a. Este jogo do peso das palavras, esta interpelação de mim e dos outros, onde nada é definitivo. Haverá sempre quem saiba recomeçar. Uma vida não se justifica pela justificação dos actos, tão pouco dos factos. Um processo de aprendizagem permanente, onde as palavras se defendem do orgulho. Nos extremos a dor coabita com elas e com a vida. Às vezes nada as distingue do silêncio, são apenas uma forma de o suavizar. Nelas respiro e me abrigo, as minhas mãos movem-se obedecendo ao meu pensamento, pela força das palavras. Convém lembrar que um coração tem duas faces, é a morada perfeita para a inspiração de um caçador de palavras.

Voa desejo! Voa querer! Voa que és livre!

19 setembro, 2008

Reflexões

Labirinto de letras, infinitas teias de palavras, umas vezes a desenhar movimentos de ternura, outras crucifixos de mágoa. De rosto mergulhado nos joelhos, adivinho o oceano de brumas. A necessidade de simular o exílio. De viver a solidão na sua plenitude, e não de a escrever. Não, não é a busca do sofrer, é, isso sim, a ânsia do saber.
Talvez a busca “da cura para uma enxurrada de sombras”, tal como escreveu Pessoa. A enxurrada dos meus passos à beira da minha sombra. Janelas tomadas de musgo pelo receio de as abrir. Tudo o que necessito de compreender antes de referir. O medo de trair as palavras na nulidade do respeito pela sintaxe, em vez de as deixar extravasar livres e dignas, à margem do torpor que me domina o corpo, e amolece o cérebro. A magnitude do seu bailado a deslizar no branco.
Há palavras que me recordam lugares e vivências. Me fazem sentir o mundo tal como o respiro. Me desenham a perfeição dos silêncios. E me surpreendem na suavidade quente de um sorriso. Contam-me histórias do meu tempo que outrora parecia infindável. Outras vezes penteiam estrelas enquanto me alertam do tempo que me resta.

16 setembro, 2008

Laboratório da genialidade

O que pode fazer um ser humano que paute a sua existência, por uma luta constante e séria, para não vender a alma ao diabo? Sim, o que o que pode ele fazer para manter intacto o arquivo do seu orgulho? Juro-vos por toda a verdade que possa existir à face terrena, que; em muitos momentos, o meu maior desejo era ser um cachorro destabilizador. Destituído de raça e classe, para despudoradamente alçar a pata e mijar na base dos candeeiros dourados, que enfeitam as secretárias dos iluminados, sindicalistas incluídos. Trabalhar é também; uma canseira insuportável.
Incompreensivelmente, apesar dos poderosos meios de informação ao nosso dispor, sabemos menos da verdade mundana que nos rodeia, do que da Bíblia. Ao que parece o segredo está na infusão de uns quantos livros de auto-ajuda. Um verdadeiro milagre dos séculos XX e XXI importado das terras do Tio Sam. Venham os livros que crença não falta. Ainda que algumas alminhas lhes apontem dois defeitos principais; o terem de ler e pensar um bocadinho.
Em muitas ocasiões a vida impõe um penteado de respeito, um fato desenxovalhado e sapatos engraxados. Pensando melhor; não é a vida que o impõe, mas sim um estigma social, com carácter quase científico. Desenvolvido no laboratório da genialidade, onde a flatulência apesar de ser coisa natural é persona non grata. Ah, o senhor é doutor de quê?

Há questões que não podem deixar de ser colocadas. Obvio.

O meu cão nunca ladrou ao vento

O cão ladrou-me do palco, um queixume canino, da cegueira provocada pelos holofotes. Queria ver as infantas alinhadas na plateia. Vestidas de extravagâncias levianas num saracotear suspeito, de ancas acorrentadas por doiradas trelas.
A matrafona habituada a conduzir os eventos, por força do cargo público que exercia na cultura, vociferou; alto!, aqui quem lê os poemas sou eu!, se não for eu, será quem eu determinar! Ou então ninguém lê! Já deviam saber quem manda aqui!
Os filisteus aplaudiram a matrafona de pé, quase roxos de exaltação. E, o cão não parava de ladrar, a matrafona não parava de ser matrafona, as infantas sem desalinhar, não paravam de saracotear, e os filisteus cada vez mais roxos, não paravam de aplaudir.
Havia um tipo careca, escrevedor de versos, antigo professor e político, um sacripanta de primeira linha, que invocava Deus a toda a hora, e desdenhava da beleza das mulheres despudoradamente, insultando-as. Pois segundo ele; elas são a principal fonte e culpa do pecado, por serem belas e mulheres.
Deviam ser puras e castas, sujeitas ao crivo da sua hipocrisia, para poderem ser; seres de direito. Nuas; apenas aos seus olhos. Purificadas pela sua baba nojenta e pegajosa. Não sei o que se passa; mas o cão não pára de ladrar.
Vou tentar que sossegue, tenho aqui um poema bem duro, em forma de osso, vou dar-lho. Pode ser que ele se distraia, e deixe de dar conta das inteligências rudimentares que o rodeiam. Curiosamente o cão deixou de ladrar, certamente por preferir um poema duro, a uma proeminente matrafona da cultura, ou ainda a um careca sacripanta, que escreve versos e já foi político.

O meu cão nunca ladrou ao vento.

15 setembro, 2008

O que faço eu aqui?

Aquela alma sentada no banco de pedra, como se tivesse deixado cair a vida, no chão de paralelos estacionados, por onde circulam os automóveis, e passam os passos calçados de outras almas, que não estão sentadas. E, não chove, mas aquela alma, tem o queixo caído, em cima das mãos esquecidas na ponta do guarda-chuva.
Não lhe vislumbro os olhos, estão tapados pela pala da boina, e não consigo adivinhar se estão abertos ou cerrados. Quem sabe o quanto lhe estará a chover dentro. Ou se por dentro já lhe habita o deserto; quem sabe. Eu fico ali a olhar, com vontade de lhe falar, mas com vergonha de dar os passos que me faltam até lá.
Os meus pés parecem crucificados no passeio onde me encontro. Olho ao redor em súplica de estarmos sós. E não, não estamos, suspiro um queixume mudo, talvez de alívio, justifico-me; se ao menos estivéssemos sós, eu teria coragem de me aproximar. Mas sei, que me minto naquele momento, mentindo-lhe secretamente.
Há embaraços quase doridos, amarrados por uma estranha sensação de culpa. A nossa e que herdamos dos outros. E há estátuas vivas, como a que está diante dos meus olhos, que sem um único gesto me apalpa todo o desconforto. Abrindo impiedosamente o armário da minha consciência. Como que a dizer-me; a tua culpa não está em pousio.
Comemoram-se quinhentos anos de existência da cidade, andam todos com a coleira erudita ao pescoço, e pelos vistos eu também. Se não fossem estas manchas humanas a expor incómodo tudo seria perfeito. Os detentores vitalícios da cultura exibem os seus dentinhos lúdicos. As entidades oficiais exibem os fatinhos de gala. O povo assiste porque sim. Ouvi dizer que Baudelaire estaria presente nas cerimónias, e faria a leitura de “ O Poema do Haxixe”. Solene. Muito solene.

O que faço eu aqui?

26 agosto, 2008

Naquele eu distante

Naquele eu distante habita um menino, veste fato-macaco de ganga azul barata. Feito pelas mãos de uma costureira de quem não me lembro. Tinha um bolso no peitilho para guardar os sonhos a estrear. Tapava um corpo franzino, de pernas esguias a correr atrás do arco.
Um par de olhos que voavam, duas mãozinhas irrequietas tal como a mente. Estou a vê-lo a trepar à ameixoeira por altura do Santo António, sentava-se num ramo e deliciava-se com aquelas suculentas ameixas. As borboletas e as abelhas eram suas companheiras de repasto.
Aqueles aromas tão intensos, o calor do Verão, aquele olhar azul sempre a pique para céu, naquele quintal do passado. Momentos tão breves como intensos, feitos de alegrias distraídas. Felicidade ingenuamente pura. O resto do mundo era bem mais pequeno que o seu. Um pequeno universo delimitado pelo tocar do céu nos montes circundantes. Mas tão suficiente para crescer e sonhar.
Havia nesse tempo uma avó, tão magra como o menino, vergada ao peso da idade, que lhe cozia pequenas broas no forno, recheadas com petingas e azeite lá de casa. Um petisco de lamber dedos e fermentar sorrisos de contentamento. Quanta gratidão avó Maria.
O menino cresceu, e tem agora tantos eus, muitos ainda meninos. E de tanto que é preciso para crescer, há um pouco de tudo, dentro dos meninos que cresceram dentro de mim, muitos ainda meninos. No Outono havia castanhas em Vale de Salgueiro.

Branco é o mural onde deixo as minhas confidências.

18 agosto, 2008

Sentir como quem vê

Neste viver às vezes morno, um estado de nem vida nem sonho. Nem mágoa nem amargura. Nada. Desligado. Vou a terraço ver-o-mar, vou ver por que preciso de ir. Vou por que ver me é importante. Depois vagueio nas palavras. Vagueio nelas por necessidade.
E por não acreditar que um corpo seja capaz de reter uma alma, e por acreditar; que uma alma será sempre capaz de evadir de qualquer cativeiro. Por tudo isso e por sonhar também, esvai-se a sombra dentro do peito. Se a ciência fosse exacta, exporia todas as verdades, e nada restaria por descobrir.
Não raras vezes, sou acometido pela angústia, de não sentir mais do que sou capaz de sentir. E muitas vezes o que sinto está tão longe, por que, muitas vezes o que mais se sente é longe. É como se de um universo de verdades incógnitas se tratasse.
Agora observo a minha gata estendida ao sol, e o escrever alcança alguma ternura. Experimento fechar os olhos também, em busca do requinte na escrita. O leve toque das pálpebras agrada-me, e uma brisa subtil emoldura-me o rosto.
Entardece a esta hora, recordo as videiras a trepar os salgueiros, nas margens daquele rio distante, quase remoto. E sinto como quem vê, o miolo do bago espremido pela ponta dos dedos, a saltar para dentro da minha boca infante.
E fecho de novo os olhos, num êxtase de conter vida, e sonho. Habitará para sempre dentro de mim, aquele sabor a melão maduro, das uvas colhidas nas videiras a trepar salgueiros, à beira daquele rio quase remoto. Neste fim de tarde quase solene, entretenho-me a escrever como quem sente. Um sentimento eterno, e nada mais, uma leve substância do espírito, contudo; a verdade.

Se eu deixar de sentir como quem vê, deixo de estar vivo.

Dito por quem sabe e sente

Vanessa Fernandes acusa atletas de desconhecerem o significado de alta competição
A vice-campeã olímpica de triatlo Vanessa Fernandes considerou hoje que há atletas portugueses que ...

A vice-campeã olímpica de triatlo Vanessa Fernandes considerou hoje que há atletas portugueses que desconhecem o significado de viver em desporto de alta competição, como em Pequim'2008. "A alta competição não é brincadeira nenhuma. Não é fazer meia dúzia de provas, andar a receber uma bolsa e está feito. Muitos não vêem bem a realidade das coisas. Não têm a noção do que isto significa. Se calhar por termos facilidades a mais", criticou. Quando vários elementos da Missão de Portugal nos Jogos Olímpicos têm dado as mais diversas e originais desculpas para o falhanço desportivo, a medalha de prata faz questão de se distanciar de alguns comportamentos. "Nunca na vida vinha para aqui para viajar e ver os Jogos. Para isso não vinha. O meu pensamento nunca foi assim", vincou, defendendo, em tom de brincadeira, que no fim dos Jogos Olímpicos se deveria fazer a avaliação a cada atleta. As declarações de Vanessa Fernandes surgem no mesmo dia em que o presidente do COP, Vicente Moura, pediu "profissionalismo e brio" aos atletas. A atleta do Benfica citou exemplos de falta de ambição: "É que há pessoas a quem lhes é igual ficar em 50º ou 20º ou o que quer que seja. Nunca pensaria assim. Até ficava desiludida se pensasse dessa maneira. Os resultados é que me dão ambição para fazer melhor para a próxima. E nunca estou satisfeita". Vanessa Fernandes diz que muitos não entendem o que é a alta competição: "É como um trabalho. Tem de ser feito. Devemos trabalhar para o que fazemos, no meu caso o triatlo. Há dificuldades em Portugal em entender isso". "Na alta competição deve haver objectivos concretos, pessoas em quem confiar a 100 por cento e nunca fazer as coisas só por si próprias. Ter sempre uma boa equipa, saber o que se quer, onde se está e o que significa alta competição", reforçou. A vice-campeã olímpica considera que às vezes não há pressão suficiente sobre os atletas no sentido de os fazerem perceber a realidade, "o que é pena, pois temos muitos talentos". "No atletismo, natação... o Tiago Venâncio, para mim, podia ser um grande atleta. Mas não há uma estrutura fixa nestes sectores, é tudo à balda, o que é pena", exemplificou. Do lado oposto, destacou o "trabalho e procura dos limites" no quotidiano de atletas da estirpe de Naide Gomes e Nelson Évora. Vanessa Fernandes considera mesmo que os actuais atletas são "privilegiados" e falou do seu caso, onde conseguiu tudo o que queria em termos de descanso, alimentação, treinadores, equipa de treino e apoio da família e amigos: "Que mais posso querer?". "Nos tempos do meu pai (Venceslau Fernandes, vencedor da Volta a Portugal em bicicleta em 1984) poucos eram capazes de competir assim. Era trabalhar para ganhar dinheiro e treinar por gosto. Admiro-o por tudo o que conseguiu como desportista, pois na altura não havia condições", disse. Esse é um dos motivos pelos quais também dedica a medalha ao pai: "É uma homenagem ao trabalho que fez, ao que competiu e às dificuldades que passou. Tudo o que conseguiu e me deu. Agora retribuo com esta medalha".
Depois deste desabafo feito por uma campeã da humildade, nada mais haverá para dizer.
Imagem e texto retirados daqui.

14 agosto, 2008

Meia-lua me basta

Meia-lua me basta, meia-lua uma ilha iluminada, um cais atracado, um navio ancorado, três ondas de ternura e meia-lua me basta. Nas dobras do manto da noite senhora dos sonhos. Estou calmo, sereno. Esplendor sem abismo, sossego. Desconheço o efeito do ópio, mas conheço o dos silêncios. Alguns permitem-me viver horas de outro modo impossíveis. Silêncios bordados de olhos.
Umas vezes o meu amor é longínquo outras vezes à beirinha. Umas vezes brisa calma outras vezes movimento inquieto das levadas. A desabar em cascatas nas encostas escarpadas. O tempo a escorrer e eu não penso em medi-lo. Por hoje amanhã também podia ser noite. Sonho suave a bebericar horas e meia-lua me basta. E o amor ali pendurado naquele cacho de buganvílias.
O viver ali diante de mim, no movimento parado dos arbustos. A nossa pele perfumada do mesmo sorriso. E os nossos braços entregam-se distraídos. Os lábios a pender do silêncio quase se tocam, os olhos chegam sempre primeiro e beijam-se. Aninhados num roçar de almas e meia-lua me basta. O teu sorriso abre-se num lírio branco.
A carne está presente, apenas como um eco longínquo, diluído em odores. Por agora, dela não sentimos saudades. É assim nos momentos em que não pisamos o chão.

Meia-lua me basta.

03 agosto, 2008

Por ora nem pensar

Há páginas preenchidas de dias pobres, coisas magoadas por via da desilusão. Há vivências que não sendo minhas, o são, como se eu; as viva quando as sinto, vejo. Um jogo da cabra-cega de olhos destapados, subterfúgios escondidos em almas iguais. No lusco-fusco das consciências, no intervalo dos erros, assim, bando de pardais, com grãos de acaso no bico, somos.
A boneca colorida de cores quentes, talhada na vagem gigante de alfarroba, vinda de uma ilha do pacífico, passa os dias pendurada por um fio de nylon, numa das extremidades da estante. Toda ela silenciosa, de olhar vago, talvez sinta saudades da sua terra. Não sei, não lhe consigo aparar um sentimento bem definido, um perfume musical, ou um ruído vago, é demasiado estática e triste. Se alma lhe foi dada, esta por certo a abandonou. Aqui fica registado este momento monótono, um divagar sem pressas, sem tristeza, sem desalento, e monótono sem que eu descubra a razão.
Talvez falta de eu saber como conduzir o pensamento, a matéria-prima existe, só que, de momento, não sei como lhe dar forma. É um vaguear de escrita, perdido, mas liberto, vadio. Uma paisagem incerta e eu um figurante ocasional. Sou um sem-vergonha intelectual, sem que me incomode de o ser, sempre que me apetece alinho palavras, como quem alinha flores em canteiros.


Era de esperar que agora aqui registasse um pretenso pensamento,
mas não; por ora nem pensar.

26 julho, 2008

Às vezes também escrevo histórias

– Que estranho; reparaste? O cliente pediu-me um carioca de café e um pires de azeitonas. Já trabalho nisto há tanto tempo e nunca me tinham feito um pedido assim. Sabes; as pessoas andam tão estranhas.
– Há dias um cliente disse-me que queria deixar uns quantos cafés pagos para umas pessoas amigas. Fazia anos no dia seguinte; disse-me. Depois disso nunca mais o voltei a ver. Passados uns dias, uma dessas pessoas a quem ele tinha oferecido os cafés, tomava café e lia o jornal. Ficou estarrecida, de olhos a saltar das órbitas e mudou de cor. Numa das páginas do jornal vinha a fotografia do tal senhor, e por baixo a notícia de que se tinha suicidado.
– As pessoas andam mesmo tão estranhas…
– Sabes; vejo fome na cara das pessoas.

– Sei! A fome vai para além da falta de alimentos, a fome a cada dia que passa, é muito mais do que dor física. É mágoa. Solidão. Tédio. Sensação de impotência. Morte por desistência.

Os rostos das pessoas estão cada vez mais ausentes de feições. Vestem um ar de sofrimento. Um ar a expor angústias e privações. Traços de indiferença de quem muito sofre. Há um modo social de estar perito em criar guetos humanos, pulverizando almas de alheamento, inércia e afastamento. Agora medito; o cursor a piscar e eu a coçar a cabeça da minha gata. Ela ronrona e depois lambe-me a mão.
Afectos claro, está bom de ver e muito melhor de sentir. Também eu às vezes tenho a sensação de que em tudo o que digo, nada tenho para dizer. Mas só às vezes; acho eu. Vida cerebral. Gosto de pensar o amor como um acto de bordar sentimentos. Gestos simples de criar bem-estar partilhando. O amor exacerbado complica tudo; assim o penso. Vida sentimental. A minha contemplação vai para além da estética, não me custa nada assumir que de algum modo há uma fé que me move. Não faço questão de a enquadrar nos padrões convencionais que definem fé. É a minha, naturalmente semelhante à de muitos outros. Sei de um destino igual para todos nós, ainda que por caminhos diferentes. Fé não é matemática, é algo abstracto dotado de força que nos faz mover. Também eu faço os meus retiros mesmo não sendo eremita. Vida espiritual.
Vou aos poucos descobrindo de onde vêm as dores que às vezes me atormentam e cuja origem desconheço. São coisas que o meu olhar regista, a minha mente guarda e a minha alma acusa. Depois as pessoas sentem necessidade de me contar coisas. Eu, sempre que para isso me sinto capaz, empresto-lhes as minhas orelhas. Precisam de aliviar o peso da memória e da consciência. Às vezes um fardo demasiado pesado. Eu compreendo-as, não raramente necessito do mesmo remédio. Só que tenho alguma vantagem em relação à grande maioria delas; escrevo.
As minhas virtudes são dúbias e os meus vícios incontáveis, o que não me impede de fazer frente aos espantalhos de enxovalhar vidas. Da minha consciência íntima extraio o dever de ser solidário com os meus semelhantes. Sem que para isso careça de vestir trajes forçados.

Ainda que a vida se possa fingir não me agrada.

11 julho, 2008

nem sempre se viaja com o corpo

(fotografia antónio paiva)

Só não viaja quem se resigna a não fazer mais do que cumprir deveres.

Bom fim-de-semana a todos ou boas férias se for o caso.

30 junho, 2008

Feira do Livro de Barcelos

Feira do Livro de Barcelos

Dia 2 de Julho a partir das 21:30

Lançamento dos livros:

“Sétimo Vão”
De Flávio Lopes da Silva

“Contos de Água e Areia”
De José Torres

Estarei a apresentar os livros e os autores, na companhia de Alberto Serra e Branco de Matos.


Dia 4 de Julho a partir das 18:30

Estarei presente no Stand da Associação Às Artes – Movimento Artístico – Cultural de Barcelos. Para uma sessão de autógrafos e contacto com o público.

Compareçam.

27 junho, 2008

coisas do pensamento





O pior dos corpos é confinarem-se à história da idade.
Muito pior é quando as mentes a ela se confinam.

11 junho, 2008

Coisas de um 10 de Junho

(fotografias antónio paiva)
Coisas de um 10 de Junho passado no campo sempre com o mar lá em baixo e a serra do outro lado. Local; Prazeres, uma freguesia do concelho da Calheta, ilha da Madeira, Portugal.
Um grande abraço a todos quantos generosamente me visitam.


03 junho, 2008

hoje estou inquieto

hoje estou inquieto
há dentro de mim uma voz feita de vácuo
de mil almas em fuga vestindo angústias

imponderáveis horas vazias ilúcida limpidez
silêncios erguendo o vento em desassossego
desenho o pensamento no pó da vidraça

é um poema que me abala o corpo
um choro um ranger de desespero em relevo
milhões de bocas famintas cravam os olhos nos meus

não há romantismo que atenue tanta dor
infligida pelos gumes de um universo de poderes
e não me venham dizer que a culpa é do destino

no meu íntimo literário pairam as dúvidas
o remorso da felicidade escrita quando tantos agonizam
mendigando a extrema-unção esmola da desolação


hoje sinto-me como um bicho vivo transportando um cesto vazio!

01 junho, 2008

!

Crianças são todos os dias!

28 maio, 2008

significados

(fotografia antónio paiva)
É muito doloroso, quando um homem dá à sua vida o significado de um prédio à espera de ser demolido.

24 maio, 2008

Paragem

Estacionei o pensamento junto à velha árvore, estendi a toalha da existência sobre a relva, olhei a garrafa de vinho tinto deitada no cesto das dádivas, ela pareceu-me quase feliz. Atirei os olhos até onde me era possível, tinha aquela sensação de quem olha a caixa do correio vazia, quando espera correspondência importante que nunca mais chega. Pior do que isso, é que neste momento tenho a sensação que não devia escrever. Sei que ninguém se importa com isso, mas eu importo-me. Só que esta maldita bulimia das palavras não pára de me atormentar. Sou pior do que um viciado no jogo, as palavras passam à minha frente como cavalos desenfreados numa corrida sem fim, e eu não paro de jogar com elas, faço apostas atrás de apostas, raios, mas sinto que devia parar. Estou exactamente como o dentista, quando apanha um tipo esparramado na cadeira, não pára de apontar arranjos atrás de arranjos, como se o resto das nossas vidas fosse viver no consultório dele. Nestes momentos tenho a sensação que uma parte de mim estagna e a outra foge. Talvez seja a culpa a apertar-me cá dentro. Só que me dói e eu não gosto, estampa-se-me a crueldade no rosto.
Por este andar, qualquer dia não passo de um velho a regar malmequeres na varanda sem nunca ter escrito um romance. Às vezes convenço-me que a culpa é uma doença como outra qualquer. Nem sempre consigo reparar os meus erros, mas isso acho que ninguém consegue, penso; no intuito de me aliviar. Sei lá; obstrução versus confissão. Preciso de alimentar o corpo, porque se não o fizer a alma também é bem capaz de morrer, por isso não tarda vou comer qualquer coisa. Não sem antes pensar; qual a razão para toda a gente se achar especial, ou privilegiada, ou ainda isenta. O que sei é que todas as minhas análises não me isentam das minhas culpas. Há dias em que me sento surpreso nos meus pensamentos, já para não falar do modo como os problemas dos outros me privam do sentido de humor. Ainda assim escrevo poemas, será que o devo fazer? Não sei nem me apetece pensar nisso. Imagino como me sentiria, se um dia me pedissem para escrever um prefácio, para um livro de poemas de um poeta morto. Não sei se o faria, acho que não seria capaz, no entanto sei que há quem o faça com a maior das naturalidades. Há quem tenha o mórbido prazer de brilhar com a morte dos outros.
Frequentemente comparo a vida a um aeroporto, ninguém lá mora mas de algum modo todos por lá passamos. É certo que estamos em trânsito e nos movemos em diversas direcções, paramos tão pouco tempo, tão poucas vezes. Quando paramos parece que aguardamos sempre a bagagem que não transportamos connosco. Às vezes somos ou estamos tão vazios. Com o avançar da idade, ler a vida, é cada vez mais ler um livro ao contrário. Como que a olhar as cicatrizes dirigimo-nos sempre à última página, pelo menos ficamos a saber como acaba, caso não cheguemos a ter tempo para o ler por inteiro. Num universo de guerras intermináveis, são tantas as vezes que chegamos à conclusão; de que ainda nos amamos mas já não nos suportamos. Somos tão estranhos às vezes e outras tantas vamos além da bizarria. Talvez por isso, amiúde, a mãe natureza se zangue connosco e desabe tempestades sobre nós. O pior de tudo é que nunca mais aprendemos, e reagimos como se atendêssemos uma chamada telefónica originada por engano ou fruto de linhas cruzadas. Mas as máscaras vão caindo aos poucos, deixando a nu a espécie voraz, carregada de defeitos, de imbecilidade, de demências, de vinganças, de sadismo, de assassinatos múltiplos. A sociedade moderna criou espécimes que se devoram uns aos outros. Em duelos até à morte. Aproveito a paragem, abro a garrafa de vinho tinto e bebo.

- Eu sei o que sinto, e tu, sabes?