28 abril, 2013

Lugares de outros tempos



Fico aqui, ao crepúsculo, com vontade de fazer chorar as palavras. Recordo a velha ponte que atravessa o rio. Os salgueiros nas margens onde os melros faziam ninho. Os milheirais de verdes e grossas espigas, que mais tarde aloiravam. O pequeno anzol suspenso por um fio de nylon amarrado na ponta da cana-da-índia. Foi há tanto tempo. Eu descia a serra, por ténues carreiros que serpenteavam os troncos dos pinheiros. O destino era o Mondego, o rio. Uma linha de água límpida, no leito do rio era possível ver o cascalho, pedrinhas de tantas cores, delicadamente polidas pelas águas. À sombra dos salgueiros pequenos barcos amarrados, eu pulava para dentro deles e fazia-os baloiçar. As águas ondulavam em círculos que se alargavam até desaparecerem. Eu sabia que aquele rio ia desaguar no mar, mar esse que eu nunca tinha visto. Imaginava-o do que lia nos livros da escola primária. Se aquele barquito fosse meu, tal como eu desejava, ia rio abaixo até à foz. A foz do meu imaginário. A foz dos meus sonhos, um milhão de vezes maiores que o meu tamanho. Conheci esse mar, essa foz, já com doze anos de idade. Foi o deslumbre, fiquei extasiado, aquele mar imenso a perder de vista, aquele vai e vem das ondas que eu só conhecia dos meus sonhos. A espuma beijava o extenso areal. Os meus olhos a saltar das órbitas, o meu pensamento corria mais depressa que as minhas pernas. Aquilo era tanto. Um miúdo da serra sentia-se filho do mar. Inesquecível! Ironia do destino, hoje vivo rodeado de mar.

 

Apesar disso, não esqueço as minhas origens, orgulho-me delas. Talvez seja por isso que o mar sempre me recebeu tão bem.

 

Recordo o cheiro dos pastos, das veredas, dos matos, dos pinhais. Os caminhos de terra por onde conduzia o pequeno rebanho de cabras e ovelhas. Sei-os de cor. Os sítios onde me sentava para devorar os poucos livros que conseguia arranjar, todos eles dados ou emprestados. Era assim que passava o tempo enquanto pastoreava o pequeno rebanho. Viajava nas páginas daqueles preciosos companheiros. Tantas vezes os reli por serem tão poucos, mas cada vez que os lia era como se fosse a primeira vez. Era por ali que fazia também os deveres da escola. Entre uma espreitadela ao gado e as melodias do canto dos pássaros, todas as matérias me pareciam fáceis e orgulhava-me disso. Nunca me sentia cansado ou enfadado. Sabia de todos os lugares onde os pássaros faziam os ninhos, espreitava-os às escondidas, via os ovos, mais tarde as pequenas criaturas acabadas de sair da casca, o seu chilrear faminto, as idas e vidas dos pais para os alimentar, mas nunca tocava nos ninhos. Sabia que as aves enjeitavam os ninhos quando se lhes tocava. Eu que gosto tanto de pássaros, não queria que aquelas inocentes avezinhas fossem abandonadas pelos progenitores, por incúria minha.

 

Gosto de recordar com orgulho, quando aos sete anos de idade, pedi à minha mãe que me concedesse um pequeno pedaço de terra, para eu poder semear sozinho algumas batatas. Ao que ela acedeu um pouco renitente, dando-me um pequeno rectângulo de terreno sombrio e pouco produtivo. Eu não me importei, deitei mãos à terra e às sementes, cavei, abri regos, coloquei as sementes, estrumei e adubei. Satisfeito com o meu trabalho. Fiquei a aguardar o resultando, esperando com o passar do tempo e visitando o local amiúde. Comecei por ver as frágeis folhas a romper a terra, eu sorria de contente, foram crescendo ficando cada vez mais fortes, até que chegou a altura de as colher. Eu, ansioso, peguei na enxada e dirigi-me ao local e comecei a cavar cuidadosamente para não as estragar. Para meu espanto e para o espanto de todos, eram batatas enormes e em boa quantidade. Eu não cabia em mim de felicidade A partir dali nunca mais parei de semear o que me apetecia, de plantar árvores.

 

Tal como as árvores que fui plantando, também eu fui crescendo, hoje tenho um pouco de todas elas dentro de mim. As minhas memórias são o suporte do meu presente, a alavanca para algum futuro que eu possa ainda ter. Não que eu esteja preso a memórias, mas guardo-as com muito orgulho e delas faço uso em muitos momentos.

 

Farei sempre parte de um bando de aves, à procura de uma ilha que sabemos existir algures. Não importa onde. Eu jamais farei parte de um presente ou futuro gerados pela asfixia.

 

Agora desculpem, mas tenho de ir.

in "Pedaços de Vida e Fantasia" 2009

Sem comentários: