03 fevereiro, 2008

Inquietude

Nesta inquietude que me assola, o desejo de partir numa viagem longa, é cada vez mais marcante. Todo aquele mar diante dos meus olhos atrai-me compulsivamente. Todo aquele poder azul fascinante, a minha fixação de que em cada fim há sempre um princípio. A leitura de lugares longínquos, seria uma boa ajuda para o conhecimento do meu espírito e dos recantos mais recônditos da minha pobre alma. A profundeza do mar é algo que comparo ao mais profundo de mim, por desconhecer uma coisa e outra. O mar espelho do céu, companheiros passo a passo, fervilham nuvens e ondas. Tal como em mim, nuvens de dúvidas, ondas de querer. As grutas de que sou feito são iguais a tantas outras no fundo do mar, penso. Mistérios, coisas belas e menos belas, lugares sombrios ou pejados de peixes coloridos, algas e corais. Tantas coisas que eu desconheço. Uma ignorância que me deixa inquieto. Deito-me tantas vezes de corpo e alma em azul, cabeça ao abandono e membros estendidos. Olhar a pique no universo.

São tantas as vezes que o que sinto foge das regras básicas impostas. São tantas as vezes que quero partir já amanhã. Não se trata de uma vontade contra o que me rodeia, contra quem me ama e acarinha. Sou eternamente grato a tudo isso. Amo tudo e todos, embora a maior parte do tempo não seja capaz de o fazer sentir. Dentro de mim de algum modo também me amo, umas vezes amo-me até me castigar, outras castigo-me até me amar.

Nas janelas, varandas, terraços e miradouros de onde observo o mundo, o meu olhar fixa-se sobretudo na luz, uma luz que me invade e me toma conta, que me diz o tempo todo que posso ser melhor, bem melhor. Ah! Inquietude minha, que me agitas e me fazes renovar, renovar o pensamento e os desejos. A verdade é que se quero partir, é apenas porque anseio o regresso a mim. Partida e regresso fazem parte de uma viagem em busca de respostas. Sobre mim, sobre ti, sobre eles, sobre nós, sobre todas as coisas que me fascinam, repito: sobre tantas coisas que desconheço.
Ah! Inquietude minha, que fazes chover tantas vezes dentro de mim, tanto que às vezes me transborda pelos olhos alagando o rosto. A verdade é que depois de chover, o meu rosto vira sol e os meus olhos astros brilhantes, os meus lábios formam um vale sorridente a transbordar de alegria. Volto a olhar o mar, é fim de tarde, quase noite, o poente fica do meu lado direito, o sol vai despejando enormes quantidades de tons alaranjados sobre o mar. À minha frente as Desertas sorriem, o Lobo Marinho regressa de Porto Santo, sulcando o mar laboriosamente, ansioso por atingir o merecido repouso de mais uma noite ancorado na baía do Funchal. Eu sorrio também, recolho-me consciente de que se não parti para uma longa viagem, tive uma longa conversa comigo próprio. Mesmo sabendo que há tanta coisa que eu desconheço e ambiciono conhecer, estou certo de que aprendi mais alguma coisa. Aprendi sobretudo, que muitas vezes até vale a pena eu falar comigo.

19 comentários:

Maria disse...

Gostei de te ler...
Um beijo

Alma disse...

Por vezes a tua escrita inquieta-me...

Parabéns pelo escrito!

Beijos

Outonodesconhecido disse...

"Ah! Inquietude minha, que me agitas e me fazes renovar, renovar o pensamento e os desejos."
Pois é ainda bem que a inquietude nos invade de quando em vez; é ela que nos faz mover d ainercia que atinge o dia-a-dia.
boas viagens

soslayo disse...

antónio paiva:

Ó meu amigo poeta, como te compreendo! Mas, devo dizer-te que a alma de poeta sente por vezes essas evasivas próprias de pessoas sensíveis como tu. O texto está inquietante, como deve ser, o sentir, do mundo que nos rodeia e, com a visão poética mas real do mundo em que vivemos hoje. Magnífico texto poético meu amigo. Um abraço inquietante mas não menos interessante como escrito poético. Um grande abraço.

un dress disse...

antes de mais...obrigada - muitO! pela devolução ampliada das palavras!! :)

viajante de sonhos...parece que transfiguras o rosto! :)

...acredito que sim.

sonhar com força já é ser - também assim acredito!!

regressar.a.mim.mais.eu.

e por isso, sim. viajar...infinitamente. de facto!



v i a j a r ~




.abraÇo.beijO

david santos disse...

Olá, António.
Adorei este texto. É brilhante!
Mas vale sempre a pena falarmos com nós próprios. Não que com os outros nos seja prejudicial, mas...
Parabéns.

Anónimo disse...

Olá António,

E não será esta vida uma longa viagem?! Cada vez mais convenço-me de que sim.

;)

BF disse...

Ainda bem de que depois da tempestade travada em nós... vem sempre a bonança de um sorriso. Uma paz interior que nos acalma. Que nos serena os sentires.

Beijos
BF

rascunhos disse...

Olá amigo ainda bem que estás de volta.Tu e esse teu mar imenso...

um beijo

Conceição Bernardino disse...

António este texto mexe muito comigo e mais não digo.

olha tens um miminho no meu blog porque acho que o mereces.

Beijinho

Conceição Bernardino

Barão da Tróia II disse...

o prazer de vir aqui ler é algo que não posso deixar de dizer. Boa semana

impulsos disse...

Fizeste uma viagem ao profundo mar que te invade os sentidos e te obriga a ponderar no que realmente queres fazer...
Uma viagem, onde nos levaste também, guiada pelo teu sentimento e pelas tuas sábias palavras.
Obrigado!
É a primeira vez que entro neste espaço, por onde me irei passear e espero voltar.

cleo

Beijo

Anónimo disse...

Excelente.......

Nilson Barcelli disse...

Viajar, para mim, pelo mundo ou pelo nosso interior, é olhar, é ver as coisas ou as pessoas e imaginar o que está por detrás ou para além delas, sem a pele do tempo a atrapalhar.

Foi o que tu fizeste neste belíssimo texto, uma viagem.

Abraço.

Ana disse...

Claro que vale a pena falar conosco mesmos - pois se isso serve para amainar inquietudes e descobrir em nós as grutas sombrias ou coloridas que nos formam!
Foi um prazer fazer esta leitura.
Abraço de amizade.

Claudinha ੴ disse...

Ah, nada como falar consigo mesmo para acalmar as inquietudes... Linda reflexão! Beijos!

segurademim disse...

... viagens abençoadas as que se fazem sem se sair do mesmo sítio

benéficas as outras que nos mostram outros olhares outros cheiros e nos põem perante nós mesmo sem o querermos...

lindo

Ana disse...

Eu, por aqui, relendo...

Anónimo disse...

Falar connosco é sempre bom!
Vale sempre a pena.
Gostei. :)
Bjs de Luz*