O Senhor dos Farnéis
O Conde sofria intensamente com todos os reflexos sociais ao seu redor, leitor atento de prosas e versos, sofria e lutava para evitar a catástrofe. A sociedade era de facto muito engenhosa, criava sem qualquer espécie de pudor, um dia comemorativo para qualquer coisa, não por que a coisa fosse a verdadeira razão, mas por que a coisa alimentava outras razões. Há dias de tudo, comemorações pagãs e religiosas. O dia da mãe, do pai, do filho, da avó, da prima, enfim, um nunca mais acabar. Há o jejum na Quaresma, cujo abuso em tempos foi pago, agora é grátis. Há os Reis Magos, o burrinho, o menino e sua mãe no Natal, não me posso esquecer obviamente do tão ignorado carpinteiro. Irra, que me esquecia do bolo-rei e do folar, ainda bem que me lembrou a tempo.
Ah! Estava-me a esquecer do Senhor dos Farnéis. Um homem de pele lisa avermelhada e de ar lustroso. Amante da caridade, só havia uma coisa que o irritava. Existirem pobres. Mas o Senhor dos Farnéis pertencia à classe engenhosa, daí que arranjava sempre o outro lado de ver as coisas. Um ângulo diferente, como ele gostava de dizer. E por que não considerar esses miseráveis, acima de tudo os pedintes, como instrumentos de medição, das diferenças sociais, dos momentos febris de sentimentos em êxtase, daquele ar piedoso e fraterno deitado de longe a esses pedaços de carne semiviva.
De algum modo, aquilo até o incomodava, estendeu-se a meditar, enquanto coçava a cabeça do gato. E não é que passado algum tempo aqueles olhinhos começaram a brilhar? E que brilho, assim a atirar para a cor-do-irónico, num improviso iluminado, pariu a decisão:
- Era urgente acabar com os pobres, que bela ideia, assim podia dormir descansado e trocava os remorsos por dinheiro, o que faria dele um homem ainda mais rico, podendo desse modo viver uma felicidade mais farta.
Ainda assim, aquela ideia tinha uma pequena ruga que o incomodava. Não podia passar sem a almofadinha da caridade, não, isso é que de todo, não. Voltou a coçar a cabeça do gato durante mais alguns momentos, a lâmpada acendeu de novo e pariu nova decisão:
- Iria estabelecer um protocolo com o departamento de investigação, de uma qualquer universidade, para que fossem criados e produzidos milhares e milhares de andróides, com ar de mendigos, trajados a rigor de vestes andrajosas miseravelmente concebidas.
Seriam distribuídos aleatoriamente, por praças, avenidas, vielas e às portas das igrejas de todo o mundo. Estariam programados para repetir incessantemente: Uma esmolinha por favor!
- Sou um génio! Sou um génio!
Repetia com grande eco, na sua consciência, o Senhor dos Farnéis. O investimento para além de rentável, era dedutível nos impostos ao abrigo da lei do mecenato e acumulava nos benefícios do ego. Podiam deste modo, o Senhor dos Farnéis e seus pares, continuar a despejar sacos de caridade piedosamente.
O Conde observava tudo isto desesperado, sentia uma enorme necessidade de transcender todas as preocupações que o dominavam. O seu desespero acentuava-se ao ver que poetas e prosadores, que julgava serem seus aliados, rendidos aos dias de qualquer coisa. Pois era exactamente nesses dias, que os escribas mais coçavam os fundilhos nas cadeiras, vergando as escrivaninhas com o peso da sua criatividade, e esmagando de forma eloquente as penas contra as pálidas folhas de papel, criando borrões atrás de borrões, como se de um prazer orgásmico se tratasse.
As gráficas imprimiam noite e dia a um ritmo alucinante, cartões de boas-festas, de profundas condolências, feliz dia do pai, da mãe, da criança, de Natal, Santas Páscoas, feliz dia da poesia e dos poetas, da prosa e dos prosadores, da caridade, da hipocrisia, feliz dia de qualquer coisa.
Foram concebidos enormes cartazes, afixados em todas as praças e avenidas do mundo, com os seguintes dizeres:
Morte ao Conde!
Viva o Senhor dos Farnéis!
Ah! Estava-me a esquecer do Senhor dos Farnéis. Um homem de pele lisa avermelhada e de ar lustroso. Amante da caridade, só havia uma coisa que o irritava. Existirem pobres. Mas o Senhor dos Farnéis pertencia à classe engenhosa, daí que arranjava sempre o outro lado de ver as coisas. Um ângulo diferente, como ele gostava de dizer. E por que não considerar esses miseráveis, acima de tudo os pedintes, como instrumentos de medição, das diferenças sociais, dos momentos febris de sentimentos em êxtase, daquele ar piedoso e fraterno deitado de longe a esses pedaços de carne semiviva.
De algum modo, aquilo até o incomodava, estendeu-se a meditar, enquanto coçava a cabeça do gato. E não é que passado algum tempo aqueles olhinhos começaram a brilhar? E que brilho, assim a atirar para a cor-do-irónico, num improviso iluminado, pariu a decisão:
- Era urgente acabar com os pobres, que bela ideia, assim podia dormir descansado e trocava os remorsos por dinheiro, o que faria dele um homem ainda mais rico, podendo desse modo viver uma felicidade mais farta.
Ainda assim, aquela ideia tinha uma pequena ruga que o incomodava. Não podia passar sem a almofadinha da caridade, não, isso é que de todo, não. Voltou a coçar a cabeça do gato durante mais alguns momentos, a lâmpada acendeu de novo e pariu nova decisão:
- Iria estabelecer um protocolo com o departamento de investigação, de uma qualquer universidade, para que fossem criados e produzidos milhares e milhares de andróides, com ar de mendigos, trajados a rigor de vestes andrajosas miseravelmente concebidas.
Seriam distribuídos aleatoriamente, por praças, avenidas, vielas e às portas das igrejas de todo o mundo. Estariam programados para repetir incessantemente: Uma esmolinha por favor!
- Sou um génio! Sou um génio!
Repetia com grande eco, na sua consciência, o Senhor dos Farnéis. O investimento para além de rentável, era dedutível nos impostos ao abrigo da lei do mecenato e acumulava nos benefícios do ego. Podiam deste modo, o Senhor dos Farnéis e seus pares, continuar a despejar sacos de caridade piedosamente.
O Conde observava tudo isto desesperado, sentia uma enorme necessidade de transcender todas as preocupações que o dominavam. O seu desespero acentuava-se ao ver que poetas e prosadores, que julgava serem seus aliados, rendidos aos dias de qualquer coisa. Pois era exactamente nesses dias, que os escribas mais coçavam os fundilhos nas cadeiras, vergando as escrivaninhas com o peso da sua criatividade, e esmagando de forma eloquente as penas contra as pálidas folhas de papel, criando borrões atrás de borrões, como se de um prazer orgásmico se tratasse.
As gráficas imprimiam noite e dia a um ritmo alucinante, cartões de boas-festas, de profundas condolências, feliz dia do pai, da mãe, da criança, de Natal, Santas Páscoas, feliz dia da poesia e dos poetas, da prosa e dos prosadores, da caridade, da hipocrisia, feliz dia de qualquer coisa.
Foram concebidos enormes cartazes, afixados em todas as praças e avenidas do mundo, com os seguintes dizeres:
Morte ao Conde!
Viva o Senhor dos Farnéis!
3 comentários:
:))))))
Beijos, e "noite serena"...
Esqueceste-te da nota final: "qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência"
Por isso me supreendeu que o Papa sentisse necessidade de declarar pecado a riqueza desmesurada que afronta os necessitados.
Não é o Papa inteligente?
Não sabemos que o clamor dos injustiçados tem de chegar ao céu, ou o céu não se justifica?
Coisas sérias, muito sérias mesmo; bom tema nos trazes para meditar.
Abraço.
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