30 março, 2007

o devorador de trevas

(fotografia antónio paiva)

- Quem é o senhor? Que faz por aqui?

- Ando à procura do meu gato – menti-lhe com a primeira ideia que me assomou à boca.

- E eu de um melro domesticado que me fugiu de casa – retorquiu sem pestanejar.

Encolhemos os ombros e fomos cada um para seu lado, acompanhados pelas nossas sombras, enquanto a lua dependurada nos olhava lá do alto.
Ela não sei quem era, eu sou um aprendiz de viajante nas trevas, tirando a casca das palavras, procurando no seu interior as respostas, como que esgravatando a terra com dedos subtis, gestos cuidados e suaves, não vá a qualquer momento surgir a preciosa caixinha das respostas e danificá-la por descuido.

Fazem-me falta a respostas para a dificuldade no equilíbrio na coexistência humana, basta um pequeno grão de pó, para que tudo deixe de funcionar nesta complexa máquina feita de pessoas. Os monstros rompem a casca, atravessam a pele, tomam conta do cérebro, da boca e dos braços das pessoas, comem-lhes o coração, estilhaçam-lhes a alma.

Um frio gélido e cortante, como o grito da hiena, bloqueia-lhes o pensamento, fazem uso das palavras como se de uma arma mortífera se tratasse, em vez de um bem precioso para comunicar, para semear sentimentos nobres e desinteressados, lá me vem à memória a palavra utopia, que tanto incomoda e constrange, porque sempre que não temos a coragem de assumir o que de melhor temos, a isso chamamos utopia.

Mas já é tão tarde e eu continuo por aqui a deambular, se ao menos o céu enorme ficasse cheio de milhões de estrelas, para eu as ver e me orientar, e a lua podia ficar verde, assim um verde-esmeralda, nem que fosse só por esta noite.

Despe-te de medos, despe-te de medos, sussurrava-me uma voz vinda não sei de onde, parecia-me um voz semelhante à de um devorador de trevas, já ouvira falar neles, nem sei bem a propósito de quê, mas ouvira sim, e pelo que ouvi a voz era parecida com o que me descreveram, dizem que se movimentam no espaço como estrelas cadentes, incansáveis lutadores, contra os fantoches que persistem na bordoada, nos insultos disfarçados de chilrear de passarinhos, mas que verdadeiramente são silvos de serpente.

Como seria bom que o sorriso das crianças se pegasse aos mais crescidos, apesar de cansado da caminhada estou bem disposto, só de me lembrar que as crianças sorriem como anjos, não digo isto por se tratar de consolação constrangida, não nada disso, digo-o porque o sinto verdadeiramente, até porque tenho guardadas em mim algumas imagens da minha meninice, onde o calção, o bibe e a sacola de ganga para levar a ardósia os cadernos e os lápis, eram para mim adornos de príncipe, pois amava-os como se fossem a minha própria pele e já tivesse nascido com eles.

Lá tinha as minhas nuvens, pois tinha, mas nada que um jogo de bola, ou cinco tostões para jogar na roleta dos rebuçados em dia de festa não resolvessem.

A madrugada já vai alta, enquanto eu caminho tranquilamente de alma agradecida, ao devorador de trevas que me acompanhou, bem sei que mal surjam os primeiros sinais do romper da aurora, ele continuará pelos céus fora, através das nuvens, roçando nas estrelas e beijando constelações, para um pequeno e merecido descanso, para voltar a reaparecer fantástico e brumoso, a um qualquer outro aprendiz de viajante nas trevas.

Obrigado devorador de trevas.
antónio paiva
E porque "sentir-vos" por perto me faz falta, e porque escrever, partilhar e conviver me fazem muita falta, não resisti mais tempo. Obrigado e bom fim-de-semana.

26 março, 2007

não há pão p'ra malucos!

Sozinhos são inofensivos, em matilha devassam, destroem, aniquilam, espezinham, tudo por onde passam.
Bastou que alguns comediantes já conhecidos na praça, tivessem criado os seus blogues, e ter constado ainda que alguns deles se tornaram conhecidos através de blogues, para que a pandilha que segue as coisas da moda, os imitasse.
Como é do conhecimento geral, alguns dos originais não têm ponta por onde se lhe pegue, o que dizer das imitações.
Também é sabido, que as modas passam de moda, e os imitadores mudam de moda à sua moda, reencarnando um qualquer dia destes noutra qualquer figurinha imbecil.
Assim sendo, fazemos o nosso retiro, pode ser que qualquer dia tenhamos vontade de regressar.
O nosso muito obrigado.

25 março, 2007

o teu sorriso

(fotografia antónio paiva)
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o teu sorriso

é como um pássaro cantor

um laço que aperta a dor

sem a querer magoar

é como uma pedra preciosa

nascida no mar

do teu sorrir

antónio paiva

Boa semana a todos/as.


23 março, 2007

(fotografia antónio paiva)
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mais vale viver no clamor das dúvidas, que no desdém, no fogo gelado, no lume podre de um viver que nem queima nem gela. não esmoreças, não esmoreças, gritam-lhe. alheado dos gritos, agarrado ao que realmente importa. dá-me um beijo, pediu-lhe.

antónio paiva

Bom fim-de-semana a todos/as.


21 março, 2007

mais um ano da minha existência


Hoje é dia de balanço para mim, umas décadas de existência, mais uns trocados, não bastaria relatar aqui as minhas origens, os meus caminhos, os meus pensamentos, as minhas lutas, dificuldades e desajustes, para anular qualquer suspeita de presunção de me considerar um ser excepcional, desses que se julgam verdadeiramente nascidos quando marcam a diferença.
Nessa tentação eu não caio, cairei noutras certamente, mas nessa não, tenho as minhas hesitações, passo a vida pendurado no instinto, passo tempos infinitos ansioso e febril, outros completamente desligado, reconheço que sou portador de algum egoísmo, gosto de pentear luares e recordações, tento com afinco aprender o caminho dos poetas, o que me leva ao desespero, quando esbarro nas minhas limitações de falta de arte e engenho, mas tento, lá isso tento, não me podem acusar de não o fazer.
Tenho consciência que durante esta minha existência, tenho magoado muitas almas e talvez tenha contribuído para a felicidade de um punhado delas, mas não tomo este último facto como um dado adquirido, muito menos como uma verdade irrefutável, não tenho descaramento para tanto.
Tento ajustar o meu perfil de carne e osso, ao paradigma de uma existência com algum sentido, não julguem que estou a fantasiar com um pseudo problema insignificante, estou sobretudo a tentar ser leal comigo próprio, para ser o mais claro e lúcido para com os outros, pois só o receio de não corresponder ao sonho de mim mesmo, já me deixa angustiado.
Como eu gostava de transportar no meu bolso, até ao último dos meus dias, uma gaivota com o sol pendurado no bico, para a soltar nos lugares sombrios por onde passo, por onde me detenho, não apenas num acto egoísta, mas para a poder partilhar desinteressadamente com quem dela necessitar tal como eu.
Bem sei que alguns esboçam sorrisos velhos, perante este meu palrar de cabeça vazia (ou não), quantas vezes me estendo na enxerga com os ossos doridos, oco nunca, parvo às vezes, mas recorrendo ao lugar comum, inventado a preceito para justificar fraquezas humanas - ninguém é perfeito, quantas vezes vem mesmo a calhar, suscitando um despropositado clamor de aplausos comungado por todos (mesmo os que o negam) em histérica estupidez passiva e vulcânica, levada ao rubro pelos bichos pensantes.
Estranha forma de assinalar mais um ano de existência, dirão, nem concordo nem discordo, seja lá como for, utilizar a inteligência que temos ao serviço dos instintos bem perceptíveis, conscientes que a vida é uma moeda com duas faces, de um lado a reflexão solitária e fria mas humana, do outro a tendência para teatralizar ou ainda fazer de conta, enfim, mas tudo misturado dá a história de uma existência, mais, ou menos, interessante, pelo menos é assim que eu vejo as coisas.
Já agora façam o favor de passar aqui, Os Meus Livros
Obrigado a todas/os.

18 março, 2007

deliciosa visão

(fotografia chuvamiuda)
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apetece-me pintar tudo quanto me rodeia de palavras

para nunca me sentir sózinho

sentas-te a meu lado perfeita nas tuas imperfeições

Tu deliciosa visão poética

milagre das solidões vencidas

antónio paiva

Boa semana a todos/as.


16 março, 2007

(fotografia chuvamiuda)
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deixei o olhar para lá da cortina do nevoeiro, cavei a cicatriz até onde a dor era maior. à espera de quê? amar quando?

antónio paiva

Bom fim-de-semana a todos/as.

14 março, 2007

(fotografia chuvamiuda)
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enquanto esperava, era assim que projectava o rosto no infinito. era tão sómente um par de olhos na noite. era talvez o fim. o fim da noite, o fim da mágoa ou o arredar das sombras. tudo tem um fim. sabes voar? perguntou. então vem!
antónio paiva

13 março, 2007

(fotografia chuvamiuda)
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não nasci para ser prisioneiro, abandono o corpo, sempre que este me incomoda. fecho os olhos encosto a cabeça e parto.
antónio paiva

11 março, 2007

Quase bom, quase de regresso. Os meus agradecimentos pelas vossas visitas e comentários. Espero a partir de amanhã, conseguir retomar o convívio com todos vós.

Boa semana a todas/os.


07 março, 2007

carpe diem

(fotografia chuvamiuda)
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o mote é perfeito
as palavras também.
onde estará o poema que procuro?
está diante dos teus olhos!
responde-me o amanhecer.
antónio paiva

05 março, 2007

(fotografia chuvamiuda)
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são mais dolorosos os gritos mudos dos silêncios, que os berros estridentes dos arautos. os primeiros deixam marcas profundas na alma, os segundos anestesiam as consciências já adormecidas.

antónio paiva

Boa semana a todos.

02 março, 2007

(fotografia chuvamiuda)
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porque teimam em gritar-me aos ouvidos, não adormeças, não adormeças. toma em mãos, esta, aquela e a outra causa. porque será que quando tiram as mãos dos bolsos, invariavelmente é para apontar o dedo. invariavelmente é para entregar noutras mãos as causas incómodas.

antónio paiva

Bom fim-de-semana a todos.