21 novembro, 2012

Dá Alpina ao menino, Abílio!


Dá Alpina ao menino, Abílio! Dá Alpina ao menino, Abílio! Gritava a mãe debaixo do telheiro no pátio a fazer palitos de flor.

Não dou! Não dou! Esta comprei eu no Toino da Venda com o meu dinheiro! Respondia o Abílio aos berros na cozinha de paredes encardidas pelo fumo, na trempe a panela negra como a fome cozia couves quase todos os dias.

O menino chorava alto até se esquecer.

Era um desassossego diário à dejua e à merenda, sempre que o Abílio conseguia desencantar uns tostões por via de qualquer ajuda que prestava a um ou outro vizinho, e lá ia ele ao Toino da Venda. Sim, era à dejua e à merenda, que pequeno-almoço e lanche só se usavam na vila.

Lambuzava-se o Abílio com Alpina espalhada na broa de côdea queimada a propósito na cozedura para amargar e travar a gula.

Os gritos da mãe, os berros do Abílio e o choro alto do menino, ecoavam aflitos pelos quelhos e telhados do casario da aldeia, quintais e poios até se perderem em eco pelos pinhais.

Um retrato de há décadas, que está a renascer, como se fosse o destino de toda a gente – ou quase toda – para melhor dizer.

2 comentários:

anajulia disse...

Ai, Alpina.
De repente, tantas memórias. Que delícia (não pela Alpina,mas pela juventude despreocupada, àquela data).
Efim, o meu tempo. Tempo que não volta mais.
Obrigada, por este momento nostálgico.

vieira calado disse...

E eu desejo um excelente 2013, para você!
Um abraço.