09 outubro, 2007

Dentro de mim às vezes também se está bem

Dentro de mim às vezes também se está bem, é por isso que muitas vezes saio e volto a entrar. Poiso o rosto no lugar do costume, penduro o corpo para o não amarrotar. Os olhos. Os olhos, esses adormecem. Lá fora o sol apagou-se, mas não sinto frio. É dentro de mim que me aqueço, desde quando o teu calor partiu. Aquela casa que construímos na encosta soalheira, de alicerces feitos de ti e de mim. Com beirais rendilhados de palavras sentidas, onde as andorinhas desenhavam a Primavera. A trepadeira viçosa e de braços esperançados de verde, com que o teu corpo enleava o meu. Amareleceu. Ensombrando a parede pintada de branco. Que ambos prometemos manter alva. Mas não. Isso já foi há tanto tempo, não foi? A maior parte dos dias parece-me que foi ontem. Mas isso sou eu, que fiquei aqui a esgravatar no tempo, à procura de respostas. Tu, mais sensata, já encontraste as respostas há muito, por isso dobraste e arrumaste cuidadosamente as nossas vidas e partiste. Afinal de contas o oceano é imenso. Porque haverias tu de ficar aqui, a chapinhar nesta poça de água parada? Está gravada na minha memória, a imagem do teu salto gracioso para a água, mergulhaste, e emergiste, mergulhaste e imergiste, mergulhaste e imergiste. Sim. Foram três vezes, na última acenaste-me em sinal de adeus, não te voltei a ver. Dentro de mim às vezes também se está bem. Poiso o rosto no lugar do costume, penduro o corpo para o não amarrotar.
antónio paiva