a fome é tanta
que os olhos lhe caiem na sopa
o frio é tanto,
que a manta rota lhe parece um embuste
a dor é tanta,
que o sangue lhe verte das órbitas vazias
o abandono é tanto,
que se resigna à monotonia das insónias,
ouvindo noites a fio o barulho do relógio da torre,
marcando implacavelmente,
os segundos de uma morte em vida
a raiva é tanta que grita:
que sabeis vós poetas de circunstância?
que tanto cantais a vossa dor,
uma dor tantas vezes mentirosa
antónio paiva
21 comentários:
E as verdades são para ser ditas... doa a quem doer...
Beijo
Vanda
E a raiva é tanta......
Um beijo, sem raiva
Sem d�vida Ant�nio.
Que sabemos n�s?
Que sabemos n�s da fome?
que sabemos n�s do frio?
que sabemos n�s da dor?
que sabemos n�s?
Apenas o que tentamos adivinhar para com as nossas palavras dar voz a quem sabe e cala o seu saber.
Muito bonito Ant�nio.
Curiosamente escrevi sobre o mesmo tema l� no meu estamin�.
D� l� um salto se te apetecer.
Abra�o,
Isabel
Nem sempre quem se queixa é quem sofre.
Bom fim de semana
Um xi
E a revolta cresce...
Gostei!
Beijo
Como dizia a minha mãe... muito se escreve, pouco se diz.
Tu marcas, pela coerência do que escreves.
Tenho as "Janelas do pensamento"... Simplesmente FABULOSO!
antónio paiva:
Se mentirosas
e não sentidas
são poesia!?
efémeros momentos
de cantos laivos
de monotonia.
Lindo o teu poema meu amigo Poeta. Um abraço.
Sabes que mais? Aqui vai...prepara-te...está quase...estou a ganhar lanço...
Eu penso que quem na realidade sente dor e esta é muito forte já não grita, já não geme, parou...parou no tempo e na vida. A dor quando é muito forte abafa a nossa voz... porquê? (Perguntas tu). Porque os fantasmas que vivem dentro de nós não deixam que a nossa voz se manifeste.
Vou falar de casos reais: os abandonados que se aconchegam em jornais ...tu ouves uma reclamação?
A alma deles já não vive devido a tanta falta de compaixão.
Mas...no meio disto perdi-me...mas lembrei que gosto da música de Pedro Abrunhosa "Quem me leva os meus fantasmas!"
Sintetizando:
O poeta fala da dor ( às vezes)...mas nem sempre quem escreve a dor é quem mais a sente...
Agora...um poeta sente por vezes a dor e quando escreve está lá o sentimento...nem sempre um poeta é um fingidor de sentimentos ou como se diz um vendedor de almas...para mim um poeta não se limita a observar e conjuga o sentimento com a observação...
Bom...por agora chega!
Um grande abraço repolhudo e deixa lá às vezes dá-me para escrever e não dizer nada...isto passa.
um beijo
muito lindo.
Aqueles que sofrem por não o que comer, sofrem pelo frio nem pensam no mundo a sua volta
Abraço
Bom fim de semana
Fortissimo!
Bjicos
É que no fundo, somos apaixonados pela dor...
Por vezes o sentimento cala as boas sequiosas e carentes.
Bom fim de semana
Bjs Zita
... e como seria a vida bem mais bonita se houvesse generosidade, sensibilidade
beijo. bom fim-de-semana
Falas de quem? dos que deixaram de viver e passaram a sobreviver do pouco que a vida lhes dá? pois é, que poeta no aconchego do seu lar consegue descrever com alguma verdade o que sente quem foi abandonado pela sorte?
Boa noite.
;)
o abandono é tanto,
que se resigna à monotonia das insónias,
******************
a fome e o frio mais dolorosos: a falta de outra voz, outro olhar, outra mão, de outra presença que nos ligue à vida.
Que forte o teu poema. Até doi!
Bom domingo. Tentarei ir ao Lançamento a 3 de Novembro.
Boa sorte
Dá o que pensar... Quanto somos egoistas em nossas dores, quanto há outras mais pungentes... Belo poema! Felicidades no lançamento do novo livro! Beijo!
muito pouco sabemos nós António...muito pouco.
Jinhos
BF
oh, faltava-me conhecer este cantinho!
Bem, perante tamanha subtileza nas palavras, deixas-me muda.
Quem sofre, sofre só; escondido numa solidão que, por vezes, é acompanhada...
Bjnh e uma belíssima semana
"(...)Comia eu junto à vitrina que dá para a praça do Areeiro dita, esse lugar, que respira Estado Novo e tem agora o nome de um político daqueles que nunca teve fome. Levanto os olhos sem bem saber porquê, talvez por me sentir assim, uma vitrine de iguarias e esbarro, com uns olhos ávidos para o meu prato, à transparência do vidro. Foi breve o ancorar de olhares, mas eloquente a conversa. Um dedo em riste para o prato, agitando-se em muda interpelação e eu, que aceno com a cabeça, não sabendo bem o significado do meu gesto afirmativo. E o homem entra pelo restaurante, e antes que o empregado possa reagir, estende a mão para o meu prato e leva à boca quantos bocados lá couberam, um a um, os olhos abertos para comerem também, naquela sofreguidão que foi certamente a contenção de muitas e muitas horas... Ainda me arrebanhou arroz antes de sair, humilde, envergonhado, recurvado para a presa, arrastado pelo braço do diligente patrão da casa... E eu levantei-me para o chamar. Já não o vi. A fome ficou ali também comigo a mirar o rumo dos seus passos, procurando já o seu encalço, como cão fiel que segue, arreganhado, o dono cravando-lhe os dentes na carne, num rasgar sem tino. Eu já não comi. De repente percebi, que nunca antes tinha tido fome.
Comia eu junto à vitrina que dá para a praça do Areeiro dita, esse lugar que respira Estado Novo e tem agora o nome de um político daqueles que nunca teve fome. Levanto os olhos sem bem saber porquê, talvez por me sentir assim uma vitrine de iguarias e esbarro com uns olhos ávidos para o meu prato, à transparência do vidro. Foi breve o ancorar de olhares, mas eloquente a conversa. Um dedo em riste para o prato, agitando-se em muda interpelação e eu que aceno com a cabeça, não sabendo bem o significado do meu gesto afirmativo. E o homem entra pelo restaurante, e antes que o empregado possa reagir, estende a mão para o meu prato e leva à boca quantos bocados lá couberam, um a um, os olhos abertos para comerem também, naquela sofreguidão que foi certamente a contenção de muitas e muitas horas... Ainda me arrebanhou arroz antes de sair, humilde, envergonhado, recurvado para a presa, arrastado pelo braço do diligente patrão da casa... E eu levantei-me para o chamar. Já não o vi. A fome ficou ali também comigo a mirar o rumo dos seus passos, procurando já o seu encalço, como cão fiel que segue, arreganhado, o dono cravando-lhe os dentes na carne, num rasgar sem tino. Eu já não comi. De repente percebi que nunca antes tinha tido fome.
Comia eu junto à vitrina que dá para a praça do Areeiro dita, esse lugar que respira Estado Novo e tem agora o nome de um político daqueles que nunca teve fome. Levanto os olhos sem bem saber porquê, talvez por me sentir assim uma vitrine de iguarias e esbarro com uns olhos ávidos para o meu prato, à transparência do vidro. Foi breve o ancorar de olhares, mas eloquente a conversa. Um dedo em riste para o prato, agitando-se em muda interpelação e eu que aceno com a cabeça, não sabendo bem o significado do meu gesto afirmativo. E o homem entra pelo restaurante, e antes que o empregado possa reagir, estende a mão para o meu prato e leva à boca quantos bocados lá couberam, um a um, os olhos abertos para comerem também, naquela sofreguidão que foi certamente a contenção de muitas e muitas horas... Ainda me arrebanhou arroz antes de sair, humilde, envergonhado, recurvado para a presa, arrastado pelo braço do diligente patrão da casa... E eu levantei-me para o chamar. Já não o vi. A fome ficou ali também comigo a mirar o rumo dos seus passos, procurando já o seu encalço, como cão fiel que segue, arreganhado, o dono cravando-lhe os dentes na carne, num rasgar sem tino. Eu já não comi. De repente percebi que nunca antes tinha tido fome."
Ano de 2003, podia ser hoje e continuará a ser amanhã. :-(
auri sacra fames
(Maldita fome de ouro)
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