11 outubro, 2008

Alice está só

Alice passa o tempo a formar ilhas no seu quarto absurdo. Movimenta-se de um lado para o outro à espera do eco de existir. Parece aguardar alguém a quem perguntar as horas. Como se fosse urgente acertar o seu relógio da solidão.
Fala só. Para se certificar que existe, ouvindo o som da sua voz. Lá fora todos se acham normais, e respiram a crise financeira que invadiu o mundo. Alice suplica; por delicadeza inventem-me um tempo qualquer. Por favor; preciso de o habitar. Queria tanto falar. – Alguém me empresta as orelhas?
Os relógios habitam todos a mesma hora e Alice está só. Habita a hipnose do seu quarto absurdo. A recordar o futuro que haveria de ter. Só que o passado vergasta-lhe o presente. Se ao menos a beijassem por dentro. Pensa. Sentiria por certo a vida a poisar-lhe na cabeça como uma borboleta.
Mas não. Não a beijam por dentro e a sua vida habita um fungo. Uma náusea viva. Pesa uma tonelada obscena de tédio. A sua vida. Um velório de anedotas. Humor negro. Um labirinto de ruas pequenas com cheiro a urina e suor acre que vão dar sempre ao mesmo sítio. Um quarto absurdo onde Alice embala fantasmas.

Alice está só.

1 comentário:

Ana disse...

Alice está só.

E estar só é a maior miséria do mundo.

Até a dor e a fome, se partilhadas, são menos negras.