Caligrafia de instantes
A tarde acabou de entrar pela janela do costume, fazendo jurisprudência do hábito. A luz dá início à sua viagem pelas fissuras. E o texto começa a nascer na superfície das palavras. O pensamento viaja até à profundidade suprema, purificando o interior. Há palavras a aderir à página enquanto aguardam pela fulgurância do nascimento de outras. Conferindo ao texto a força e um brilho novo.Nestes instantes de privilégio surgem as preferências do desejo. Organizam-se os espaços íntimos. Dissolvem-se verbos e predicados em fluxos latentes de preia-mar, nascem frases no espraiar das ondas murmurando palavras. Olhando esse mar fico suspenso na minha vida interior, enquanto as gaivotas despertam do sono tardio.
A minha vida está cheia de erros que me levam à escrita. Sou dependente das palavras, para colmatar um vazio lúcido que me habita. Este sonhar acordado de escrever mantendo a limpidez da página. O alcançar a pureza da escrita. Mas o enredo é sempre tão complicado.
Reúno fragmentos, caligrafia de instantes, a pele da minha pele. E alma toda. Tudo isto eu entrego de livre vontade à essência da palavra. E em cada página procuro desfazer o erro, tarefa árdua e muitas vezes dolorosa. Ainda assim muito mais gratificante do que a existência em estado precário e ensimesmado.
Agora vou até à fonte beber das palavras. O livro.








