O que faço eu aqui?
Aquela alma sentada no banco de pedra, como se tivesse deixado cair a vida, no chão de paralelos estacionados, por onde circulam os automóveis, e passam os passos calçados de outras almas, que não estão sentadas. E, não chove, mas aquela alma, tem o queixo caído, em cima das mãos esquecidas na ponta do guarda-chuva.
Não lhe vislumbro os olhos, estão tapados pela pala da boina, e não consigo adivinhar se estão abertos ou cerrados. Quem sabe o quanto lhe estará a chover dentro. Ou se por dentro já lhe habita o deserto; quem sabe. Eu fico ali a olhar, com vontade de lhe falar, mas com vergonha de dar os passos que me faltam até lá.
Os meus pés parecem crucificados no passeio onde me encontro. Olho ao redor em súplica de estarmos sós. E não, não estamos, suspiro um queixume mudo, talvez de alívio, justifico-me; se ao menos estivéssemos sós, eu teria coragem de me aproximar. Mas sei, que me minto naquele momento, mentindo-lhe secretamente.
Há embaraços quase doridos, amarrados por uma estranha sensação de culpa. A nossa e que herdamos dos outros. E há estátuas vivas, como a que está diante dos meus olhos, que sem um único gesto me apalpa todo o desconforto. Abrindo impiedosamente o armário da minha consciência. Como que a dizer-me; a tua culpa não está em pousio.
Comemoram-se quinhentos anos de existência da cidade, andam todos com a coleira erudita ao pescoço, e pelos vistos eu também. Se não fossem estas manchas humanas a expor incómodo tudo seria perfeito. Os detentores vitalícios da cultura exibem os seus dentinhos lúdicos. As entidades oficiais exibem os fatinhos de gala. O povo assiste porque sim. Ouvi dizer que Baudelaire estaria presente nas cerimónias, e faria a leitura de “ O Poema do Haxixe”. Solene. Muito solene.
Não lhe vislumbro os olhos, estão tapados pela pala da boina, e não consigo adivinhar se estão abertos ou cerrados. Quem sabe o quanto lhe estará a chover dentro. Ou se por dentro já lhe habita o deserto; quem sabe. Eu fico ali a olhar, com vontade de lhe falar, mas com vergonha de dar os passos que me faltam até lá.
Os meus pés parecem crucificados no passeio onde me encontro. Olho ao redor em súplica de estarmos sós. E não, não estamos, suspiro um queixume mudo, talvez de alívio, justifico-me; se ao menos estivéssemos sós, eu teria coragem de me aproximar. Mas sei, que me minto naquele momento, mentindo-lhe secretamente.
Há embaraços quase doridos, amarrados por uma estranha sensação de culpa. A nossa e que herdamos dos outros. E há estátuas vivas, como a que está diante dos meus olhos, que sem um único gesto me apalpa todo o desconforto. Abrindo impiedosamente o armário da minha consciência. Como que a dizer-me; a tua culpa não está em pousio.
Comemoram-se quinhentos anos de existência da cidade, andam todos com a coleira erudita ao pescoço, e pelos vistos eu também. Se não fossem estas manchas humanas a expor incómodo tudo seria perfeito. Os detentores vitalícios da cultura exibem os seus dentinhos lúdicos. As entidades oficiais exibem os fatinhos de gala. O povo assiste porque sim. Ouvi dizer que Baudelaire estaria presente nas cerimónias, e faria a leitura de “ O Poema do Haxixe”. Solene. Muito solene.
O que faço eu aqui?
2 comentários:
O que faço eu aqui?
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É a questão que a cada um de nós, em algum momento, nos crucifica nas esquinas da vida.
A menos que, em lugar de consciência social, tenhamos um buraco negro.
Fazemos, mesmo quando nos mentimos, nos desculpamos, aquilo de que somos capazes. E basta que nos esforcemos para que os nossos actos não se inscrevam na injustiça ou sequer na indiferença.
relembras a infância e percebes que foi ali, ao virar da esquina...
bjs,
:)
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